Vídeo: Natureza e Sabedoria – Epicuro

Segue abaixo o sétimo de oito vídeos com reflexões sobre a Ética, de Epicuro.

Aos interessados, assistam, leiam o texto e comentem pelo blog ou pelo youtube mesmo para podermos estabelecer um diálogo.

Há muitas possibilidades de reflexão para nosso tempo a partir da relação entre natureza e sabedoria.

Meu abraço!
Mangolin.

Vídeo: tema 6 – Amizade na Ética, de Epicuro.

Seguindo a sequência dos nossos estudos, aos que se interessarem, já está disponível o vídeo do tema 6 (Sobre a amizade) sobre a Ética, de Epicuro, gravado pelo professor Alan dos Santos.
Assistam ao vídeo, leiam o texto e participem dos debates pelo Youtube, por aqui ou pelo Facebook!
Meu abraço.
Prof. Cesar Mangolin.
segue o link direto para o vídeo:

 

Vídeo: Justiça, na Ética de Epicuro

Envio abaixo o link para o novo vídeo dos debates sobre a Ética, de Epicuro. O tema desta vez foi a JUSTIÇA. É bastante interessante e polêmico o tema, por isso, o vídeo ficou um tanto quanto mais longo que os demais. Mas, aos que tiverem a devida paciência, recomendo assistirem até o final e participarem dos debates pelo canal do youtube mesmo ou pela página “Grupo de Estudos e Leitura”, que criamos no facebook.

A tentativa foi a de trazer o tema para a reflexão de problemas que vivemos hoje e, claro, tornou-se impossível não comentar um tanto as maluquices que temos vivido nos últimos tempos no Brasil e a perseguição aos professores e universidades que ainda ousam pensar.

Vamos ao debate.

Segue o link:

Vídeo:Riqueza e bens materiais – Ética de Epicuro

Aos que se interessarem, segue o link com o terceiro tema dos estudos sobre a Ética, de Epicuro. Vocês podem receber diretamente os vídeos se inscrevendo no canal ou pela página “Grupo de Estudos e Leitura”, criada no Facebook.
TEMA 3: RIQUEZA E BENS MATERIAIS – ÉTICA DE EPICURO Vídeo do grupo de estudos e leitura da Ética, de Epicuro. O vídeo está incompleto, mas em lugar de editá-lo preferimos que as considerações finais sejam também alvo dos debates.

Vídeo: Ética, de Epicuro – Prazer e vida prazerosa (Tema 1)

Segue abaixo o link para um vídeo que comenta os primeiros parágrafos da Ética, de Epicuro, cujo tema é o prazer e a vida prazerosa. Serão 08 vídeos tocando nos temas que aparecem na Ética (ainda teremos outros, como desejo; riqueza e bens materiais; tempo; amizade; justiça; deus).

A origem do trabalho é um grupo de estudos entre estudantes e professores do curso de filosofia da Unimes, mas decidimos por socializar o material aos interessados de maneira mais ampla também. Outros professores participarão das gravações. A intenção dos vídeos não é propriamente uma aula, mas um comentário rápido que permita, com a leitura do texto, gerar reflexões sobre o tema.

Aos interessados, portanto, fica o vídeo e nossa disposição para debatermos.

Epicuro: prazer e vida prazerosa

Militares antinacionais? Pesquisador analisa contradição que ronda governo Bolsonaro (Entrevista do BRASIL DE FATO com JOÃO QUARTIM DE MORAES)

CRÉDITOS: JORNAL BRASIL DE FATO / JÚLIA DOLCE

LINK PARA A PUBLICAÇÃO ORIGINAL: https://www.brasildefato.com.br/2018/11/08/militares-antinacionais-pesquisador-analisa-contradicao-que-ronda-governo-bolsonaro/index.html?fbclid=IwAR36kmLjt5BCU4_kb2Si9p9lJeRduAfRmDtLV0fZXzdj_gVFz9YiAEbgi4E

Para João Quartim de Moraes, fenômeno é característico das Forças Armadas brasileiras, historicamente ligadas aos EUA

Júlia Dolce

Brasil de Fato | São Paulo (SP),

Jair Bolsonaro presta continência à bandeira dos Estados Unidos em Miami, nos Estados Unidos - Créditos: Reprodução
Jair Bolsonaro presta continência à bandeira dos Estados Unidos em Miami, nos Estados Unidos / Reprodução

O nacionalismo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) tem sido colocado em xeque por opositores e intelectuais, que questionam o caráter entreguista das medidas já anunciadas pelo capitão reformado do Exército.

As Forças Armadas, outrora associadas à defesa do interesse nacional, reaparecem no cenário político brasileiro com um discurso patriótico esvaziado, que contempla até propostas radicais de privatização.

Nem sempre foi assim. Na década de 1950, os militares participaram da fundação da Petrobrás e reivindicaram seu caráter público e estatal. A narrativa privatista e anticomunista da ditadura militar, iniciada em 1964, logo foi deixada de lado em nome da valorização das empresas nacionais. O próprio Bolsonaro defendia, 13 anos atrás, que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) fosse fuzilado por defender a privatização da Vale do Rio Doce.

Para o cientista político e professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) João Quartim de Moraes, essa contradição não é uma característica apenas do governo eleito, mas das próprias Forças Armadas. Moraes é pesquisador de filosofia antiga, teoria política e instituições brasileiras, e já publicou diversos livros sobre o militarismo no Brasil e América Latina, como “A Tutela Militar”, de 1987, “A Esquerda Militar no Brasil”, de 1991, e “Liberalismo e Ditadura no Cone Sul”, de 2001.

Eu concordo que há uma contradição objetiva, ela é o seguinte: as Forças Armadas como instituição estão identificadas ao Estado brasileiro. Se ele fica fraquinho, elas também ficam. De outro lado, ideologicamente, elas estão identificadas com o que chamavam de Colosso do Norte, os Estados Unidos – hoje, Trump. É uma contradição deles, que nós temos que levar em conta”, afirmou.

Confira a entrevista completa:

Brasil de Fato: O senhor enxerga uma contradição no caráter militar antinacionalista do governo de Jair Bolsonaro?

João Quartim de Moraes: A gente determina uma contradição identificando bem quais são os polos dela. No golpe de 1964, no primeiro governo da ditadura, do General Castelo Branco, eles eram privatistas, liberais. Quem mandava na economia era Roberto Campos, um privitatista extremado, liberalóide fanático. Esse tal Paulo Guedes aí, o já designado “superministro” das questões econômicas, é um continuador, talvez menos preparado intelectualmente – porque Roberto Campos era um homem de certa cultura –, mas é a retomada desse liberalismo extremado, socialmente indiferente e cruel. Isso tivemos na primeira fase da ditadura. Houve uma inflexão lenta para uma política de fortalecimento do Estado nacional, que atinge o auge no governo de Ernesto Geisel, uma tentativa de desenvolvimento econômico planejado e centrado no Brasil com um esforço muito grande, que acabou não dando tão certo porque foi atropelado pela crise internacional, do petróleo, governando em uma situação internacional muito adversa. Nesse sentido, pode ser comparado ao governo de Dilma Rousseff a partir de 2012.

Nisso, ele não realizou parte considerável do seu projeto de industrialização acelerada, de desenvolvimento possante das vias de transporte. Ele investiu muito em ferrovia, mas o êxito foi parcial. O interessante é que a contradição que houve foi entre a alta burguesia paulista, banqueiros e industriais, FIES, Febraban, e o Geisel. Porque fizeram uma campanha anti-estatizante – o que dominou a cena política brasileira entre 1977 e 1978.

Em geral, espera-se que os governos militares sejam mais nacionalistas. Isso é parcialmente verdadeiro, mas geralmente esquecemos porque temos a bronca da repressão e do DOI-CODI. Mas, é preciso ver com mais amplitude. Os militares não são todos monolíticos. Tem gente com ideias diferentes lá, de autonomia econômica nacional.

Agora, no governo Bolsonaro, como se configura? Não sei bem. O próprio Bolsonaro tem aquele lado falastrão, vai lançado as frases, muito para apavorar a molecada, mas atrás disso ele não é bobo. Ele fala uma besteira, mas quando se dá conta, ele recua. Veja o caso da China: explicaram para ele que é o maior importador do Brasil, que se a China romper relações com o Brasil é o maior prejuízo. Aí ele parou e considerou isso. Nós tememos, estamos assustados com o que ele pode fazer, mas bobo ele não é.

Mas, historicamente, os militares costumam ter o nacionalismo como valor inerente?

É complexo porque, do mesmo modo que havia muitos militares nos anos 1950, que batalharam corajosamente, até próximos do partido comunista então na ilegalidade, e aos intelectuais nacionalistas, pela Petrobrás, como também lutaram pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Cnpq), havia também a direita militar que recebia ordens de Washington direta e indiretamente. Esses eram a favor do alinhamento incondicional.

Bolsonaro bateu continência para a bandeira estadunidense, o que é lastimável, mas é difícil identificar essa contradição. Eu concordo que há uma contradição objetiva, e ela é o seguinte: as Forças Armadas como instituição estão identificadas ao Estado brasileiro; se ele fica fraquinho, elas também ficam. De outro lado, ideologicamente, estão identificadas com o que chamavam de Colosso do Norte, os Estados Unidos. É uma contradição deles, que nós temos que levar em conta: uma contradição no interior das Forças Armadas brasileiras.

Isso está relacionado à influência dos EUA no golpe de 1964?

Isso não começou em 1964. Do mesmo modo que a vitória do candidato de linguajar e, quem sabe, ideologia fascistóide, não começou com a campanha eleitoral de 2018. Eu diria que começou em junho de 2013, quando a direita começou a tomar conta da rua, ultrapassando e manobrando aqueles protestos até progressistas da molecada do passe livre. Do mesmo modo, em 1964, começou muito antes. Começou com uma vitória da esquerda, a vitoriosa resistência de 1961 à primeira tentativa para impedir que João Goulart virasse presidente, com a renúncia de Jânio Quadros.

Eles não queriam Jango, então houve uma mobilização, da qual despontou a figura desse grande dirigente de esquerda, Leonel Brizola, e coordenou a resistência ao golpe. Mas eles perderam ali e vieram para o toco depois. Eu fiz um livro há 20 anos, “A Esquerda Militar do Brasil”, em que narro isso até a revolução desde 1930. A alta burguesia paulista articulou-se fortemente em contato com os militares até 1961.

Tanques estadunidenses foram doados ao Exército brasileiro, em outubro, e as Forças Armadas estadunidenses já vieram treinar na Amazônia neste ano. O senhor acredita que essas ações simbolizam uma perda de soberania, talvez uma entrada do Brasil em uma guerra contra a Venezuela, à sombra dos EUA?

Ceder base para os Estados Unidos aqui no Brasil é algo que põe em questão a soberania. Trump foi derrotado parcialmente agora nas eleições estadunidenses, os democratas são maioria na Câmara – não sei se aceitariam passivamente uma invasão na Venezuela.

Agora, se o Brasil aceitar o miserável papel de tropa auxiliar dos EUA em uma invasão dos EUA, aí seria um rebaixamento da nossa soberania: voltaremos a ser um satélite. Mas isso não está configurado ainda. O que está configurado na Venezuela é que os imigrantes estão vindo para o Brasil, porque a situação econômica lá está tremendamente difícil. Então, podem usar o argumento de que reforçar a segurança na fronteira é impedir que isso vire um caos. Mas acho que o Brasil, por enquanto, ainda não tem um papel fundamental para desestabilizar a Venezuela. Isso vem do bloqueio estadunidense e de uma hiperinflação que eles não têm conseguido controlar.

As pessoas estão muito preocupadas e assustadas com o que esse governo representa. O senhor acredita na possibilidade de um golpe militar?

Os militares não precisam disso. Se ganharam uma eleição, por que precisam dar um golpe? Isso poderá se configurar mais a frente, daqui a vários meses, no mínimo, se, o que é possível, logo de início as cabeçadas de Bolsonaro criarem uma situação econômica insustentável. Não creio que isso ocorrerá logo no início. Ou talvez por excesso de violência, na linha de frente dele está o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), depois o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e o próprio Partido dos Trabalhadores (PT).

Agora, golpe militar, o chamado “auto-golpe”, com ele, com o General Mourão, que me parece instável psicologicamente se não for fingimento, eu não sei. Mas saberemos logo, porque ele terá que definir se será uma reedição de Jânio Quadros, que aguentou seis meses.

Temos que usar com certa prudência as comparações históricas e não ficar antecipando ou agravando a situação já difícil e preocupante, porque o alarmismo é ruim. Não tenho nenhuma dúvida que o amor à democracia nas cúpulas militares é pequeno, e que diante de uma situação de perigo comunista, ou de crise, algo que eles sempre inventam, ou uma situação real e objetiva de descalabro econômico, paralisia da economia ou revolta social intensa, aí sim o espectro de um auto-golpe com Bolsonaro, com a cúpula militar empurrando Bolsonaro, se ele se demonstrar demasiado desequilibrado, é possível. Mas é mais complexo, internacionalmente. já imaginou uma ditadura militar no Brasil? O único país… eles têm uma noção.

Mas, na sua opinião, podemos virar uma sociedade bem mais militarizada?

O pior que está acontecendo agora é que quem está empurrando a militarização da sociedade não são os militares propriamente. São os talibãs evangélicos, que inutilmente a Dilma Rousseff tentou aplacar, fazendo média, indo vistar o Templo de Salomão.

O que a esquerda tem de fazer é travar um combate ideológico pela cultura e pelas luzes. Vamos diagnosticar direito a coisa. O problema principal e ideológico do Brasil, por hora, não são os militares, porque Bolsonaro é um fanático, e esse é o principal entorno ideológico que o impulsionou. O principal problema de retrocesso cultural são os extremistas evangélicos, e é nisso que temos que prestar atenção, travando uma corajosa luta, como vem sendo travado nas escolas e universidades públicas, contra essa aberração que é o “Escola Sem Partido”.

Artigo sobre o “Materialismo do encontro”, de Louis Althusser.

Postei na página deste blog “Textos Mangolin” e envio por aqui o link para os interessados de um artigo meu que foi publicado no número 46 da Revista Crítica Marxista, refletindo sobre o chamado “materialismo do encontro”, de Louis Althusser.

Abaixo segue o link e a introdução do artigo para que saibam do que o texto trata e como um convite à leitura e à crítica.

Link do blog:

Clique para acessar o mangolin-cesar-althusser-e-o-materialismo-do-encontro-continuidade-complementaridade-ou-ruptura.pdf

Link da Revista Crítica Marxista:

Clique para acessar o artigo2018_11_04_15_06_44.pdf

Introdução

Louis Althusser escreveu alguns textos na década de 1980 nos quais apresenta e defende uma corrente que ele mesmo chama de materialismo aleatório ou materialismo do encontro. Podemos encontrar três posições sobre a relação entre a obra desta última fase (a da década de 1980) e a obra anterior (os escritos das décadas de 1960 e 1970): a primeira é a compreensão de que ambas as fases se complementam; a segunda é aquela que percebe apenas uma continuidade, dado que a tese da última fase, segundo a qual a história é sinônimo de contingência, apareceria em toda sua obra; por fim, a terceira posição compreende que há uma ruptura entre os dois momentos, não sendo possível pensá-lo como continuidade ou complementaridade, visto que há referenciais teóricos e problemáticas distintas e, portanto, teses diferentes.

Esta última compreensão é a que pretendemos defender em nosso artigo.

Para tanto, dividimos o texto em três partes: na primeira e segunda tomaremos o exemplo de dois autores cujos argumentos permitem defender, respectivamente, a perspectiva da continuidade e da complementaridade, para, na terceira parte, melhor situar nossa posição com relação à contribuição do filósofo francês e argumentar em favor da ruptura entre os dois momentos.

 

Alguém foi enganado?

Cesar Mangolin

Tenho visto muita gente defender que não devemos criticar e nem atribuir a responsabilidade da eleição do Bolsonazi aos que votaram nele. No geral, a ideia é que seus eleitores devem ser “acolhidos”, como se fossem grupos de inocentes enganados e a responsabilidade deve ser dividida entre os partícipes do golpe de 2013-16 (as interferências e interesses externos, os partidos – PSDB em particular – derrotados sucessivamente nas eleições, os nossos “ladrões de galinha” da política institucional e frações da burguesia preteridas – mas jamais deixadas de lado – com o amparo precioso dos seus cães de guarda da pequena burguesia, alimentados pelos meios de comunicação de massa e pela partidarização do judiciário).

Eu discordo dessa avaliação sobre os eleitores do novo presidente, mas entendo que os que a defendem não procuram uma facilitação: partem da constatação de que uma considerável parcela de eleitores que votou em Lula e em Dilma pode ter votado no fascismo agora. Digo “pode” porque não tenho dados objetivos sobre o tema e nem saberia como tornar isso possível: o número de abstenções, votos nulos e brancos é grande. Mas, sem dúvida, isso ocorreu. Mas discordo, primeiro, por uma razão óbvia: a eleição do novo presidente não foi uma proclamação divina anunciada pelo anjo Gabriel, informando a todos que nossa história estava a dar vida aos ovos do fascismo, chocados ao longo desses anos. O resultado da eleição foi anunciado pelo TSE, depois de apurados em favor do infeliz mais de 57 milhões de votos. Enfim, o dado óbvio é que esse povo saiu de suas casas e foi até a urna votar, livremente. Segundo, sem deixar de lado o consórcio golpista mencionado acima que, de fato, cumpriu um papel fundamental, onde estaria o engodo que traiçoeiramente convenceu esses milhões de eleitores?

Penso que podemos falar de um engano quando fazemos algo com um objetivo e, depois, vemos que fomos iludidos, ou que as promessas feitas não foram cumpridas, ou que as cartas do jogo não estavam na mesa claramente. Mas não foi também esse o caso, ainda que as promessas feitas possam frustrar uma porção dos eleitores, afinal não sabemos ainda como esse governo caminhará.

Repetido como uma ladainha, o discurso moralista que justificou a opção dos eleitores possui como pontos chave a defesa da “família tradicional”, as referências ao cristianismo, o combate à corrupção e à criminalidade, o patriotismo e erigiu um grande inimigo: o PT e uma dada concepção pejorativa de “esquerda” e outros grupos específicos que teriam “destruído o Brasil”, tratados homogeneamente, ou seja, como se fossem todos a mesma coisa e uma ameaça a ser destruída. A ideia de que a candidatura do nosso tosco fascistoide representava a “mudança” foi calcada nessas bases.

Mas é necessário fazermos a devida separação entre o discurso – entre o que afirmam – e as intenções e objetivos subjacentes à forma do discurso, ou seja, o que de fato explica o evento desse apoio massivo.

Penso que não é preciso ser cientista político para afirmar que todos sabiam que as bases desse discurso são falsas. Em outras palavras: esse discurso apenas escondia velhos preconceitos e velhas disposições de classe da formação social brasileira, que voltam à tona sempre que temos alguns avanços e em momentos de crise (na nossa conjuntura, uma crise econômica, mas fundamentalmente uma crise política e institucional, forjada para impedir novas e sucessivas derrotas). Que temas sensíveis (como o da segurança pública) expandam para além das camadas mais abastadas e da pequena burguesia o apoio à guinada a direita, não há dúvida, somando a isso certa disposição à subserviência e a um discurso que vai contra sua própria condição, que pode ser observada em alguns espaços. Mas, ainda assim, não havia ninguém enganado aí.

Que podemos até operar com a ideia de que isso não aparecia de maneira racionalizada ou refletida para toda a massa de eleitores, não tenho dúvida. Mas como alegar que qualquer um deles não sabia que fazia apenas um discurso parcial, ou fazia “vista grossa”, estando todas as peças expostas amplamente? Como não reconhecer que a defesa violenta e visceral do candidato da suposta “mudança” escondia inconfessáveis (mas claros) e questionáveis valores?

Exemplos da incoerência entre os elementos desse discurso (que mencionei mais acima) e as disposições reais e objetivas não faltam. Estiveram e estão muito claros e amplamente divulgados:

1) o moralismo, o cristianismo e a família tradicional: são muitos os vídeos em que o candidato aparece dizendo que utilizava apartamento funcional para “comer gente”; os eleitores da “moral” comemoraram meses antes a injusta prisão de Lula bebendo cerveja paga por um cafetão e em frente a um conhecido puteiro paulistano de elite; Alexandre Frota, um ator de filmes pornográficos e que confessou e relatou em cadeia nacional um estupro esteve por ali o tempo todo e foi eleito deputado federal; pastores investigados por corrupção e até por estupro “oraram” pelo candidato; o candidato ganhou fama por um discurso rasteiro e cheio de violência; há vídeos diversos como o “não te estupro porque não merece”, “vamos fuzilar a petralhada”, “vamos banir e prender os vermelhos”. Fora as manifestações explícitas de racismo, homofobia e machismo em vídeos incontáveis do próprio candidato, dos seus parentes e dos seus seguidores. Ora, como o discurso moralista e supostamente cristão pode ter servido de base com todas essas evidências?

2) o combate à corrupção e o problema da segurança: é de fazer rir quando vem de alguém que ficou por mais de 20 anos no partido de Paulo Maluf e quando são observados os que o cercam e apoiam. Alguns serão ministros agora. Lorenzoni, por exemplo, é confesso e não foi um anúncio posterior à eleição. As condições da segurança pública no Rio de Janeiro e a atuação do deputado por essas duas décadas e meia indicam como ele desdenhou o problema e jamais deu atenção a ele. O discurso de direito ao porte de arma não é bem vindo aos que pensam a segurança como problema público e contraria todos os dados estatísticos, inclusive os comparados com outros países. Fora isso, todos sabem que o “bandido bom é bandido morto” se refere a matar os bandidos (ou não) pobres e preferencialmente pretos, dando à polícia liberdade para matar sem constrangimento.

3) Patriotismo e o “Brasil acima de tudo” com vídeos anunciando a entrega da Amazônia, das riquezas nacionais, batendo continência para estadunidenses. Imaginem um vídeo de Lula, ou Haddad, ou Manuela, batendo continência para uma bandeira qualquer, a estadunidense ou a cubana, por exemplo? A falsidade do discurso está exatamente na previsível reação raivosa do segundo exemplo e na justificativa do primeiro como algo razoável.

4) a esquerda como o mal que destruiu o Brasil: TODOS os trabalhadores brasileiros sabem que particularmente nos dois mandatos de Lula o país esteve muito bem, aliás, melhor que em qualquer momento. Ninguém nega isso. Nem os dados estatísticos, o mapa da fome da ONU, o FMI… De onde vem e como sustentar o argumento da destruição do Brasil? Outra coisa que todo brasileiro sabe desde criança é que a corrupção, o “jeitinho”, o “levar vantagem” são marcas não só da política institucional, mas parte integrante das relações cotidianas. Sabe, inclusive, que não é uma marca exclusiva do PT (o que não justifica, obviamente, nenhum tipo de atenuação dos casos comprovados). E, mais importante, teve dados disponíveis, escritos, desenhados, em áudio, vídeo, tabelas, gráficos, demonstrando historicamente a participação dos partidos na corrupção e, inclusive, demonstrando que os envolvidos em casos de corrupção na atualidade estão em massa exatamente do lado do novo presidente.

5) o ataque a negros, gays, mulheres, aos mais empobrecidos, aos indígenas, a xenofobia: isso ocorreu sistematicamente, o tempo todo e, em lugar de pelo menos preocupar, empolgou as multidões.

6) a mudança: como alguém pode levar a sério que esse sujeito representa alguma mudança? Ele não conhece além de algumas frases violentas e do senso comum, não é capaz de debater suas propostas e, fundamentalmente, é um sujeito que está há quase três décadas como um parasita no Congresso Nacional, votando em tudo que contraria os interesses dos trabalhadores e as melhorias de condições de vida dos brasileiros. Ao longo da campanha disse abertamente que acabaria com conquistas dos trabalhadores; seu vice afirmou mais de uma vez que acabaria com o décimo terceiro e com as férias; prometeu aprovar a reforma da previdência que penaliza trabalhadores; defendeu que mulheres devem ganhar menos; defendeu abertamente a tortura e a ditadura, o assassinato, a prisão arbitrária.

Como algo tão velho e rançoso pode aparecer para alguém como símbolo da mudança? Não, todos sabiam que não era isso. Não parece ser possível que alguém tenha sido enganado com tantos dados escancarados. Quem votou no sujeito sabia o que estava fazendo e comemorou a eleição. Muitos descarregando suas armas para o alto.

Ora, se estava tudo tão escancarado, se era perceptível a todos, o que ocorreu então? Penso que uma das respostas está nos preconceitos historicamente enraizados no imaginário geral e que faz parte da formação social brasileira. Uma ideologia do colonialismo, como chamava Nelson Werneck Sodré, que trata parcelas da população como desiguais ou que percebe desigualdades perigosas nas diferenças. Não acredito que todos os eleitores do sujeito estejam decididos a praticar violência direta contra qualquer grupo, mas eles querem que esses grupos tomados como inferiores retornem aos seus lugares sociais e ao silêncio.

Entendo nossa virada à direita, para além dos estímulos externos, como uma reação a avanços que tivemos nos últimos anos e que deram lugar e voz a esses grupos postos à margem e condenados à clandestinidade. Mulheres, gays, negros, pobres são tolerados, desde que não ousem desejar serem iguais, desde que fiquem em seus porões e ocupem as funções sociais historicamente destinadas a eles. As mulheres “recatadas e do lar”, os gays de vida enrustida, os negros e pobres trabalhando e dividindo as posições mais mal remuneradas da divisão do trabalho.

Nossos setores dominantes sabem compatibilizar caridade e chacina com muita tranquilidade. Uma ajudinha aqui para ganhar pontos no céu e manter os pobres submissos e agradecidos, uns tiros ali para não perder o controle da situação. A pequena burguesia é seu cão de guarda e rosna primeiro porque se sente ameaçada nos seus lugares sociais e é mais sensível à aproximação desses setores que podem alçar posições sociais equivalentes às dela. Em momentos de avanço como esse que antecedeu o golpe, de conquistas sociais, se acirram as disputas pelos espaços, ainda mais quando uma crise econômica auxilia ampliando seus efeitos. Chega a hora de “recoloca-los nos seus lugares”.

Nossa pequena burguesia (com maior ou menor intensidade, de acordo com os interesses mais diretos das suas frações), sem dúvida, jamais toleraria viajar em aviões ao lado de pobres e pretos por muito tempo. Mas o que a coloca em movimento reativo mais explícito é o risco que representa a possibilidade do acesso proletário aos seus canais de manutenção e ascensão, como a existência de políticas públicas que dão incentivos e subsidiam atividades de pequenos e médios produtores, políticas afirmativas e compensatórias, como as cotas sociais e étnicas, acesso ao crédito e ao consumo, ampliação das conquistas e direitos dos trabalhadores que ainda viviam os resquícios da senzala, como foi o caso do trabalho doméstico, a elevação da certificação escolar e do ensino superior nos últimos anos e a maior disponibilidade de trabalhadores para as atividades não manuais.  Nesse caso, a pequena burguesia, que se justifica pela ideologia do mérito pessoal e pela certificação escolar, se sente ameaçada pelos efeitos tendenciais do que chamamos de sobrecertificação: quanto mais temos concentração urbana com certificação da educação básica e também do ensino superior, mais as empresas podem elevar os requisitos para contratação de pessoal, inclusive com salários menores e maiores atribuições. O problema da certificação escolar não é o da qualificação do pessoal, mas o de agregar um grande número de novos concorrentes em condições legalmente ou formalmente iguais (a posse do diploma), quebrando o principal instrumento de justificativa da manutenção da pequena burguesia urbana desde o final dos anos 1960 no Brasil.

Um olhar um pouco mais atento pode ajudar a compreender nossa conjuntura como  uma reação a esses avanços sociais, respaldada pelos preconceitos construídos historicamente que alocam, como desiguais, grupos diferentes da população brasileira. Eles votaram em Lula duas vezes e muitos elegeram Dilma. Eles votaram em Lula em vista da grave crise do começo dos anos 2000 e depois dos governos de Collor-Itamar e FHC, de aplicação da cartilha do neoliberalismo. A reação se expressou nos movimentos de 2013 e na apertada vitória de Dilma contra Aécio em 2014. Depois, com as sucessivas derrotas nas urnas e a expectativa de uma nova eleição petista em 2018, novamente com Lula à frente, a reação veio na forma do golpe de 2016. A ideia era passar o comando da nação para as mãos do PSDB (o operador político de confiança do grande capital), uma vez que não conseguia fazê-lo pela via eleitoral.

Mas o golpe saiu pela culatra: o grande derrotado dessas eleições foi o próprio PSDB. O aguçamento do discurso moralista e sabidamente falso levou à presidência um efeito colateral do golpe: Bolsonaro. Nem ele mesmo deve conseguir entender até agora como, de um militar equivocado e de um parlamentar medíocre, pôde sair um presidente da República.

 

Novo artigo

Sugiro a leitura do artigo publicado na Revista Reflexões neste semestre com o título “Imigração e Xenofobia: reflexões a partir de uma perspectiva política e filosófica”. Trata-se do tratamento (ainda provisório e introdutório) desses temas, que têm me direcionado para os estudos do que poderíamos chamar de uma “ideologia do colonialismo”, que poderá ajudar a pensar e compreender, retomando autores importantes como Nelson Werneck Sodré e Fanon, a própria realidade brasileira. Em breve aparecerão mais resultados do trabalho!!!

Seguem os links e o resumo como publicado>

no blog: https://cesarmangolin.files.wordpress.com/2018/08/14-1-2-cesar-unicamp.pdf

na revista: http://revistareflexoes.com.br/artigos/imigracao-e-xenofobia-reflexao-numa-perspectiva-politica-e-filosofica/

Resumo: O objetivo do texto é fazer uma reflexão sobre os temas da imigração e da xenofobia destacando aspectos antropológicos, políticos e filosóficos. A ascensão ou fortalecimento em nossa conjuntura de movimentos ultranacionalistas no campo político da direita e que se reivindicam, em alguns casos, como neonazistas justificam a relevância do tema para a atualidade. Mas o artigo não pretende tratar de algum caso específico: a intenção principal é apontar elementos iniciais e gerais, porém fundamentais para uma reflexão posterior de maior profundidade. Para tanto, o texto está dividido em duas partes: a primeira conceitua imigração e xenofobia a partir da etimologia dos termos para, em seguida, refletir sobre o deslocamento no espaço como condição animal e as especificidades humanas, que explicam as bases do que concebemos como xenofobia; a segunda parte está destinada a uma reflexão, utilizando o exemplo de Aristóteles em suas obras Política e na Ética a Nicômaco , que percebe na tradição filosófica tendências ao tratamento das diferenças étnicas e culturais como elementos fundantes de desigualdades sociais, justificando ou velando a dominação entre povos e culturas distintos.

Palavras-chave: Ideologia – Imigração – Política – Xenofobia.