Em memória de todos os que tombaram contra a ditadura

(Nota Política do PCB)

A Comissão Política Nacional (CPN) do Partido Comunista Brasileiro (PCB) vem a público saudar a Articulação Nacional pela Memória Verdade e Justiça – uma entidade que congrega organizações políticas, movimentos sociais, sindicatos, coletivos de juventude, grupos artísticos e familiares de mortos e desaparecidos – e manifestar seu apoio ao trabalho que vem sendo desenvolvido no sentido de construir um grande movimento de massas para que se apurem os crimes da ditadura, se estabeleçam as ligações entre os grupos empresariais, funcionários públicos e a máquina da tortura no Brasil e crie condições para que se possa punir os torturadores e assassinos de toda uma geração de jovens, trabalhadores, camponeses, sindicalistas e militantes sociais e políticos que lutaram contra a ditadura no Brasil.
A CPN avalia como positiva a instalação da Comissão da Verdade pelo governo. Lembramos, todavia, que foi preciso uma condenação do Brasil por parte da OEA para que o governo pudesse tomar essa medida, que protelava para não melindrar as Forças Armadas e os setores conservadores de sua base de sustentação. Mas alertamos que esta comissão tem uma composição heterogênea e não possui sequer representantes dos familiares dos mortos e desaparecidos. É um sinal de que a Comissão foi composta para uma conciliação nacional, ou seja, “virar esta página da história” e o Brasil seguir em frente na direção de se transformar numa potência capitalista.
Por isso, é necessária a organização de um grande movimento social, envolvendo organizações sindicais, estudantis e de bairro, manifestações de rua em todo o País, para que o resultado dos trabalhos não se transforme numa conciliação com os algozes de nosso povo. O PCB, como uma das organizações que mais brutalmente foi reprimida pela ditadura – basta dizer que um terço de seu Comitê Central foi assassinado na tortura e desaparecido – se compromete a levar esta luta até o fim, em homenagem não apenas aos nossos mortos e torturados, mas também a todos que sofreram e tombaram na luta contra a ditadura.
A CPN também avalia que este não é o momento de privilegiar o debate das divergências sobre as formas de lutas das organizações de esquerda durante a ditadura, até mesmo porque a ditadura prendeu, torturou e assassinou camaradas de todas as organizações. Este é o momento de reverenciar todos os que lutaram contra o regime militar, especialmente aqueles que rubricaram com sangue a luta contra a ditadura. São todos eles nossos heróis, desde os que se alçaram em armas nas cidades, os guerrilheiros de Caparaó e do Araguaia, até aqueles que desenvolveram silenciosamente um paciente trabalho de organização dos trabalhadores nas fábricas e nos sindicatos, aqueles que organizaram a população nos bairros, os jovens nas organizações estudantis, os intelectuais e o mundo da cultura em geral. Continuaremos a sua luta e não daremos trégua aos inimigos do nosso povo.
As recentes informações de um agente da ditadura de que os corpos de vários companheiros foram incinerados em um forno de uma usina de açúcar em Campos chocaram a opinião pública e mostraram a bestialidade com que os facínoras da ditadura agiam contra os prisioneiros políticos. Entre os corpos incinerados estariam os de quatro camaradas do PCB: Davi Capistrano, João Massena, Luiz Maranhão e José Roman.
Associamo-nos à correta iniciativa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no sentido de que esta fazenda de Campos seja desapropriada para fins de reforma agrária e que sua sede sejatransformada em um memorial da tortura e da brutalidade da ditadura. Ali se encontra o verdadeiro cemitério de nossos heróis, independente da organização a que pertenciam.
Para reforçar esta luta, achamos fundamental que a Articulação Nacional pela Memória Verdade e Justiça organize um expressivo e unitário ATO NACIONAL na fazenda onde foram incinerados os nossos camaradas, com ocupação de suas terras, para honrarmos a trajetória de lutas desses nossos heróis.
A Comissão Política Nacional do PCB manifesta sua solidariedade a todos os familiares dos presos, mortos e desaparecidos e às entidades que se constituíram para denunciar os crimes da ditadura e reafirma que esta luta não foi em vão e que todo trabalho de denúncia, investigação, de acúmulo e documentação realizado nestes anos será não só um precioso aporte para a memória dos nossos heróis mortos e desaparecidos, mas também um importante testemunho para as novas gerações.
Não silenciaremos enquanto toda a verdade não for apurada!
Não silenciaremos enquanto a justiça não for feita!
São Paulo, 13 de maio de 2012
(Comissão Política Nacional do PCB)

Repúdio à invasão de Pinheirinho pela polícia de Alckmin

Cesar Mangolin

Reproduzo abaixo uma nota política do PCB sobre a violência ocorrida em São José.

Pensei em escrever algo, mas as imagens disponíveis falam por si. Espero que o sofrimento daquelas famílias de trabalhadores sirva para que os mais ingênuos tomem como mais um exemplo o verdadeiro caráter do Estado numa formação capitalista, uma máquina ativa na defesa dos interesses da classe burguesa, um centro e modelo de organização do poder, que precisa ser destruído para que qualquer transformação ocorra, por mais que isso doa aos “posmodernosos” seguidores de Foucault e de Holloway.

O Estado contra o povo somente pode mudar quando o povo se voltar contra esse Estado e destruir, com ele, os capitalistas e o capitalismo.

Nossa luta deve caminhar sempre mais nesse sentido e menos nos devaneios teóricos dos que se escondem atrás dos livros para justificar sua passividade.

 

Nota política do PCB de São Paulo

A Comissão Política Regional do Partido Comunista Brasileiro de São Paulo manifesta seu repúdio à truculenta e selvagem invasão de Pinheirinho, comunidade de sem teto composta por cerca de 1.600 famílias na cidade de São José dos Campos, em São Paulo. Num verdadeiro ato de guerra, cerca de 2 mil policiais, com viaturas, cassetetes, bombas de efeito moral, cães farejadores, gás lacrimogêneo e gás de pimenta, orientados por helicópteros que sobrevoavam  ameaçadoramente a região, invadiram a comunidade, ferindo vários moradores, prendendo outros, derrubando residências e batendo em mulheres e crianças; inclusive houve registro de arma de fogo contra os moradores; alguns ficaram feridos.

Os sem teto ocuparam essa área, de propriedade de uma empresa falida do mega especulador Naji Nahas, há cerca de oito anos e lá construíram suas casas e viviam com suas famílias. Os moradores já estavam providenciando a regularização da área quando os proprietários pediram a reintegração de posse. A justiça estadual, mais uma vez demonstrando seu caráter de classe, autorizou a desocupação. Há alguns dias atrás, em função da mobilização popular e da participação de parlamentes de esquerda, chegou-se a um acordo no qual os moradores teriam quinze dias para negociar a regularização do terreno, mas inesperadamente hoje pela manhã (dia 22/1) foram surpreendidos pela invasão policial.

Trata-se evidentemente de mais um episódio de criminalização dos movimentos sociais pelo governo Alckmin, que vem realizando uma verdadeira escalada conservadora. Primeiro, foi a invasão da USP pela polícia militar; depois veio a repressão na Cracolândia, num típico ato de higienização do centro de São Paulo, e agora a invasão da comunidade de Pinheirinho. Esses atos demonstram claramente o caráter truculento, antipopular e antidemocrático desse governo do PSDB, que governa o Estado há mais de 20 anos. Ressalte-se ainda que o prefeito de São José Campos, onde se encontra o acampamento, também é do PSDB.

Partido Comunista Brasileiro, coerente com sua posição de classe, tão logo tomou conhecimento da invasão de Pinheirinho, enviou vários militantes para a região, de forma a dar solidariedade ativo à luta popular, inclusive militantes e dirigentes do Partido estão nesse momento junto ao movimento popular colaborando com o processo de resistência.

Todo apoio à  luta dos moradores de Pinheirinho

Todo apoio à  resistência popular.

LUIZ CARLOS PRESTES: A BANALIZAÇÃO DA IMAGEM DE UM REVOLUCIONÁRIO PELOS GRANDES MEIOS DE COMUNICAÇÃO

(Artigo publicado em “Brasil de Fato” de 12 a 18/01/2012, edição 463)

Por Anita Leocadia Prestes*

 

Já se passaram mais de 20 anos do desaparecimento de Luiz Carlos Prestes. Tendo sido sempre coerente consigo mesmo e com os ideais revolucionários a que dedicou sua vida, sem jamais se dobrar diante de interesses menores ou de caráter pessoal, Prestes despertou o ódio dos donos do poder, que se esforçaram por criar uma História Oficial deturpadora tanto de sua trajetória política quanto da história brasileira contemporânea.

Mesmo após seu falecimento, Prestes continua a incomodar os donos do poder, o que se verifica pelo fato de sua vida e suas atitudes não deixarem de serem atacadas e/ou deturpadas, com insistência aparentemente surpreendente, uma vez que se trata de uma liderança do passado, que não mais está disputando qualquer espaço político. Num país em que praticamente inexiste uma memória histórica, em que os donos do poder sempre tiveram força suficiente para impedir que essa memória histórica fosse cultivada, presenciamos um esforço sutil, mas constante, desenvolvido através de modernos e possantes meios de comunicação, de dificultar às novas gerações o conhecimento da vida e da luta de homens como Luiz Carlos Prestes, cujo passado pode servir de exemplo para os jovens de hoje.

Atualmente tornou-se difícil e pouco convincente recorrer aos antigos expedientes para satanizar os comunistas: acusá-los de “comer criancinhas assadas na brasa”, de defender a “coletivização das mulheres”, de renegar a família, de desrespeitar as freiras, etc. etc. Hoje os expedientes são outros, mais de acordo com os novos tempos. No caso de Prestes – o mais conhecido e o mais respeitado comunista brasileiro -, por tantos anos caluniado ou silenciado, uma nova tática de desmoralização foi adotada pelos grandes meios de comunicação, comprometidos com os interesses das classes dominantes. Na impossibilidade de questionar sua reconhecida honestidade, assim como sua fidelidade aos princípios revolucionários por que sempre pautou sua existência, o novo expediente consiste na banalização de sua imagem.

Procura-se desviar a atenção do público do legado político e revolucionário de Luiz Carlos Prestes, chamando a atenção para aspectos de sua vida privada, tentando apresentá-lo apenas como um homem comum e inofensivo, portanto, para os poderosos deste país. Da mesma maneira do que se passou há alguns anos atrás, com a ampla divulgação do filme “O Velho” – que apresentava Prestes como um comunista fracassado e dedicado a cultivar rosas -, agora a Revista de História da Biblioteca Nacional presta sua contribuição ao esforço de banalização da imagem de Prestes pelos grandes meios de comunicação. Reproduz na capa de sua edição de janeiro de 2012, mês do aniversário natalício de Prestes, foto sua tirada em uma praia, com trajes de banho. Para isso, contou com a lamentável colaboração da viúva do personagem retratado, num flagrante desrespeito à sua vontade e à sua memória. Todos que c onviveram com Prestes sabem que ele não admitia confundir sua vida privada com suas atividades públicas e jamais concordaria com a publicação de semelhante foto na imprensa. Prestes era um homem sóbrio, que detestava qualquer gesto de exibicionismo, qualquer atitude na vida privada que pudesse vir a prejudicar sua atuação como dirigente comunista e revolucionário.

Frente à nova tática dos grandes meios de comunicação, voltados hoje para o expediente da banalização da imagem de revolucionários como Prestes e Guevara – cuja imagem vem sendo mercantilizada pelos donos do capital -, é necessário que todos aqueles, homens e mulheres, comprometidos com a luta pelo socialismo em nossa terra, reforcem a vigilância de classe e procurem contribuir para que o legado revolucionário desses grandes lutadores se torne acessível aos jovens de hoje, aos futuros combatentes de amanhã.

*Anita Leocadia Prestes é professora do Programa de Pós-graduação em História Comparada da UFRJ e presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes.

 

 

Carta pessoal de Ivan Pinheiro à Anita Leocádia Prestes:

A publicação de uma foto do camarada Luiz Carlos Prestes em trajes de praia no jornal mais reacionário do nosso país (que deveríamos voltar a chamar de The Globe, como outrora) me deixou perplexo.

De início, feliz, por ver o incansável Velho num raro momento de justo descanso.

Não dá para perceber o ano em que a foto foi tomada, mas sabemos que ele nunca teve uma vida tranquila.

Mas comecei a me indignar quando percebi que a foto foi imposta a Prestes. Cochilando, com um chapéu que lhe cobre os olhos, é óbvio que ele não se deixou fotografar naquele momento íntimo; a foto foi tirada à sua revelia.

Acho natural e saudável que entre amigos e familiares de confiança registremos nossos momentos de descontração, de relaxamento.

Mas não é ético que uma foto reservada, como que roubada a uma pessoa (que talvez nunca a tenha visto!) seja tornada pública por quem a possuia. E se trata de uma foto de alguém falecido, que não pode concordar nem discordar de sua publicação.

Prestes não era um desses medíocres “famosos” globais cujas fotos íntimas aparecem nas ridículas revistas com que se manipulam as pessoas simples para sonharem com a possibilidade de também virem a ser ricas, bonitas e famosas.

Prestes foi um revolucionário, um dos mais importantes da história.

O diário oficial do imperialismo no Brasil certamente não escolheu esta foto para homenagear o Cavaleiro da Esperança, que sem sombra de dúvidas foi o brasileiro mais perseguido e satanizado por este monopólio.

Desta forma, Anita, solidarizo-me pessoalmente com você, compartilhando a justa indignação diante desta (vã) tentativa de banalizar a imagem de Prestes.

Um abraço.

Ivan Pinheiro

40 ANOS DO VOO DA LIBERDADE

imagemCrédito: 4.bp.blogspot.com  
   

Umberto Trigueiros Lima (Mazine)

Fazia um calor insuportável no Rio, naqueles dias de janeiro de 1971, 40º à sombra. Lembro que no dia 13, fomos levados para a Base Aérea do Galeão, espremidos em 2 ou 3 camburões pequenos, desde o quartel do Batalhão de Guardas, no bairro de São Cristóvão, onde estávamos recolhidos aguardando o desenlace das negociações do sequestro. Éramos: eu (Umberto), Antonio Rogério, Aluízio Palmar, Pedro Alves, Marcão, Ubiratan Vatutin, Irani Costa, Afonso, Afonso Celso Lana, Bretas, Julinho, Mara, Carmela, Dora e Conceição. Fazia sol a pino e os caras pararam os camburões em algum pátio descampado da Base e deixaram a gente lá torrando dentro daqueles verdadeiros fornos e de puro sadismo e sacanagem riam e gritavam uns para os outros, “…olha aí cara, os rapazes estão com calor, você esqueceu de ligar o ar, eles vão ficar suadinhos…”. Um outro dizia, “…deixa esses filhos da puta esturricarem aí dentro, pode ser que algum deles vá logo para o inferno…”. A viagem ao inferno não era possível, pois já estávamos nele, ou seja nos cárceres da ditadura, há algum tempo. A temperatura dentro dos carros era altíssima, mal conseguíamos respirar pelas poucas frestas de ventilação, os miolos pareciam que iam estourar. Foi um horror!

Ficamos na Base durante todo o dia 13, onde já estavam muitos outros companheiros vindos de outras prisões e de outros estados e lá nos mantiveram o tempo todo algemados em duplas. Nos deram comida podre, tiraram mais impressões digitais, nos obrigaram a tirar fotos nus em diferentes posições. Alguns deles diziam que era para o futuro reconhecimento dos cadáveres… Perto da meia noite nos levaram para o embarque, nos agruparam do lado do avião, frente a um batalhão de fotógrafos postados há uns 50 metros de distância, atrás de uma corda. Éramos 70, mais as filhas do Bruno e da Geny Piola, as menininhas Tatiana, Kátia e Bruna. Os flashes espocavam e muitos de nós levantamos os punhos, outros fizeram o V da vitória, enquanto os caras da aeronáutica por trás davam socos nas costas de alguns companheiros. Nosso voo da liberdade para o Chile decolou aos 2 minutos de 14 de janeiro. Durante o voo, íamos algemados e os policiais da escolta nos provocavam. “…Olha aí malandro, se voltar vai virar presunto, nome de rua…”. A tripulação da Varig, mesmo discreta, foi simpática e afável conosco e quando chegamos a Santiago um comissário de bordo veio correndo me contar que havia uma faixa na sacada do aeroporto que dizia “Marighella Presente”.

Foram 2 longos dias, cheios de tensão, de expectativa, de esperança, todos os sentidos em atenção. Talvez, alguns dos mais longos dias das nossas vidas. Tenho a certeza de que nenhum de nós jamais se esquecerá daqueles momentos. Nas últimas horas da madrugada do dia 14 chegamos ao Chile. Depois de 38 dias de negociações muito difíceis, de risco extremo, mas com muita firmeza e equilíbrio por parte do Comandante Carlos Lamarca e dos companheiros da VPR que realizaram a operação de captura do embaixador suíço, aquela que seria a última grande ação armada da guerrilha urbana brasileira terminava vitoriosa. Começava um novo tempo nas nossas vidas.

Fomos descendo do avião, já sem algemas (os policiais brasileiros da escolta foram impedidos de desembarcar), nos abraçando emocionados, rindo, chorando, cantando a Internacional, acenando para os companheiros brasileiros e chilenos que faziam uma carinhosa manifestação para nos recepcionar.

Um general de Carabineros nos reuniu no saguão do aeroporto e fez uma preleção sobre tudo que estávamos proibidos de fazer no país. Logo em seguida, funcionários do governo da UP e companheiros dos vários partidos da coalizão nos disseram ali mesmo para não levar a sério nada do discurso do tal general. Era o Chile de Salvador Allende que íamos viver e conhecer tão intensamente.

Amanhecia o dia 14 de janeiro de 1971 quando saímos do aeroporto de Pudahuel em ônibus, escoltados por Carabineros. Amanhecia também aquele novo tempo das nossas vidas e amanhecia o Chile da Unidade Popular, da imensa liberdade, das grandes mobilizações populares, da luta de classes ao vivo e a cores saltando diante dos nossos olhos todos os dias. Pelas ruas de Santiago, a caminho do Parque Cousiño onde ficaríamos alojados, os operários que trabalhavam nas obras do Metrô acenavam para a gente, outros aplaudiam, alguns levantavam os punhos cerrados. Imagens que ficariam para sempre na memória, fotografias de um tempo.

Aquele dia parecia infindo, ninguém conseguia pregar um olho, foi um dia enorme, cheio de encontros, de descobertas, de luz. Estávamos bêbados de liberdade e ao mesmo tempo ainda marcados pela sombra da prisão, pelas tristes notícias de mais companheiros covardemente assassinados pelos cães da ditadura. Na nossa primeira refeição no Hogar Pedro Aguirre Cerda a maioria deixou os garfos e facas sobre a mesa e comeu de colher, como fazíamos na prisão. Quando íamos para os quartos de alojamento, alguns cometiam o ato falho de dizer “…vou para a cela…”. Na nossa primeira saída, um grupo se perdeu na cidade e voltou para o Hogar de carona num camburão dos Carabineros, motivo de gozação geral. Lembro da imensa solidariedade e carinho com que fomos recebidos pelos companheiros chilenos e também por estudantes, intelectuais, artistas, operários, pessoas do povo enfim que iam nos visitar, que fizeram coletas para nos arranjar algum dinheiro e roupas, que nos queriam levar para suas casas.

Nas semanas e meses seguintes, pouco a pouco fomos nos dispersando, construindo nossas opções de militância, de vida.

Viveríamos intensamente aquele processo chileno e também nossos vínculos com a luta no Brasil. Nos encharcaríamos com o aprendizado daquela magistral aula de história e de política “em carne viva”. Paixões, alegrias, nostalgias, saudade, amores, amizade, solidariedade, companheirismo, tudo junto, ao mesmo tempo.

Muitos de nós estivemos no Chile até o fim, vivendo e testemunhando os horrores do golpe de 11 de setembro de 1973. Em muitos casos, mais uma vez, escapando por pouco, por muito pouco.

Outros companheiros, por diferentes razões de militância e pessoais foram viver em outros países. Alguns trataram de organizar suas voltas clandestinas ao Brasil, na esperança de continuar a luta armada. Uns poucos conseguiram manter-se, mas infelizmente, nessa empreitada de luta, vários companheiros foram assassinados. Honro as suas memórias e me orgulho de termos compartido aqueles momentos tão significativos das nossas vidas.

Foi o tempo que nos tocou viver. Era um tempo de guerra, mas também de uma enorme esperança.

Na passagem dos 40 anos da nossa libertação, acho que deveríamos dedicar a memória desse encontro fraterno, em primeiro lugar aos companheiros do nosso grupo chacinados pelas ditaduras brasileira e chilena, como também aqueles que marcados por sequelas e feridas psicológicas insuportáveis não conseguiram continuar suas vidas : Daniel José de Carvalho, Edmur Péricles Camargo, João Batista Rita, Joel José de Carvalho, Wânio José de Matos, Tito de Alencar Lima, , Maria Auxiliadora Lara Barcelos, Gustavo Buarque Schiller. Em segundo lugar, com saudade, a todos os companheiros daquela viagem para a liberdade de 14 de janeiro de 1971, que já nos deixaram. Com eterna gratidão e reconhecimento ao Comandante Carlos Lamarca e aos combatentes da VPR que realizaram aquela ação revolucionária audaz e vitoriosa. E também a todos os brasileiros da nossa geração (e aqui não falo em idade, que pode ter ido dos 12 aos 80) que não se acovardaram, que foram capazes de enfrentar aqueles duros e difíceis tempos, quando dizer não poderia significar a morte, “…quando falar em árvores era quase um crime…”.

Enfim, a todos os que OUSARAM LUTAR…!

GOVERNO LULA E BANQUEIROS BRASILEIROS CONTRIBUEM NA ESPOLIAÇÃO DO POVO GREGO

18 Maio 2010

Crédito: www.sindicatocp.org.br

Renato Nucci Junior

(Membro do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro)

O povo grego tem protagonizado, nas últimas semanas, uma luta heróica contra as medidas aprovadas a toque de caixa por seu parlamento, dirigido pelos social-democratas do PASOK, para receber ajuda financeira internacional que retire o país da crise. As exigências impostas pela União Européia e o FMI para que a Grécia tenha acesso ao pacote de “ajuda” da ordem de 110 bilhões de euros são duríssimas e quem pagará a conta é o povo grego. Elas incluem a redução dos salários, corte nas aposentadorias, ataque aos serviços públicos, aumento dos impostos e a retirada de direitos sociais e trabalhistas.

Esse imenso volume de recursos servirá para que o governo grego faça frente ao pagamento de sua dívida, de mais de 270 bilhões de euros, cerca de 115% do seu PIB. O dinheiro que se pretende emprestar à Grécia servirá para a mesma cumprir suas obrigações com os especuladores e credores de títulos de sua dívida pública, que levaram o país à falência. Em suma, sacrifica-se o povo grego, com um corte de 30 bilhões de euros em seus gastos públicos até 2012, para que meia dúzia de ricaços tenham os seus lucros garantidos.

É contra essa tentativa de fazê-los pagar pela crise que os trabalhadores gregos, com destacado papel dos comunistas, tem se mobilizado. Só nesse ano foram sete greves gerais com ampla adesão de massa. O temor de que a crise grega se alastre e torne ainda mais demorada a recuperação econômica mundial, tem mobilizado os esforços das principais potências capitalistas.

A União Européia aprovou um pacote de ajuda de 750 bilhões de euros, o equivalente à metade do PIB brasileiro. O próprio FMI disponibilizará cerca de 250 bilhões. Tudo em nome da manutenção de um modelo econômico cuja fatura, em termos de ajuste das contas públicas, implicará em novos ataques aos direitos dos trabalhadores em todo o mundo.

O Brasil também participa desse esforço mundial para conter a crise grega. O governo Lula anunciou na última sexta-feira, 7 de maio, que fará um aporte de 286 milhões de dólares ao FMI para ajudar a debelar a crise. Esse volume de recursos não representa sequer 1% do total de recursos do Fundo destinados à Grécia, de 30 bilhões de euros. Trata-se de um aporte pequeno se comparado ao volume total. Porém, o que mais importa não é o tamanho da contribuição, mas o gesto em si.

O aporte ao FMI mais uma vez sinaliza o compromisso do governo Lula com a manutenção de um modelo econômico, baseado na lógica financista e especulativa. Motivado por essa lógica, a intenção do governo nesse aporte de recursos serve tanto para manter o bom funcionamento do capitalismo, como também salvar os interesses dos bancos privados brasileiros. Questionado se o Brasil teria títulos da dívida grega, o Ministro da Fazenda, Guido Mantega declarou “que alguns bancos privados brasileiros podem ter esses papéis, mas em um percentual baixo” (Folha de São Paulo, 08/05/2010).

Independente do percentual que os bancos brasileiros possuem de títulos da dívida grega, reafirmamos que o mais importante é o gesto em si. E novamente, com tal gesto, o governo Lula, como faz desde o seu primeiro mandato, não confronta os interesses dos banqueiros brasileiros, cujos lucros em 2009, mesmo com a crise econômica, foram de R$ 23 bilhões, 26% a mais do que no ano anterior. Um lucro obtido na base de juros extorsivos, de taxas de serviços abusivas e de uma exploração brutal sobre os bancários.

Como a espoliação do povo brasileiro não é suficiente para ampliar a acumulação de capital, os banqueiros tupiniquins alçam vôos maiores e se lançam ao mundo, explorando oportunidades abertas em outros países. Contam nessa empreitada com o apoio do governo Lula, cujo aporte de recursos ao FMI no caso da crise grega, destina-se a salvar os seus preciosos lucros. E como sempre ocorre, o recurso para esse aporte virá dos cofres públicos, mais uma vez usados para atender grandes interesses privados nacionais.

É assim que os banqueiros brasileiros e o governo Lula, não satisfeitos em explorar o povo brasileiro, agora contribuem na espoliação do povo grego.