ABAIXO O GOLPE! – palavra de ordem para uma frente progressista, democrática e de esquerda.

Cesar Mangolin 

Penso que, ainda que por motivações distintas, as organizações da esquerda engoliram o golpe com alguma facilidade e com maior facilidade ainda dispuseram da presidenta Dilma e da legitimidade do seu mandato, independentemente de concordar ou de ser base ou não do governo.

Tivemos partidos que assumiram uma posição crítica e combativa, mas pelas expectativas eleitorais se viram, lamentavelmente, ao lado dos golpistas em diversas situações, no primeiro e no segundo turno; teve posição que pouco caso fez da presidenta Dilma: trataram o golpe como uma derrota momentânea e que pode ser resolvida com as eleições de 2018; e temos os casos daquela esquerda pequeno-burguesa que se divide entre posições curiosas: tem partido que festeja o golpe (assim como festeja a “primavera árabe” e anda pedindo mais bombas imperialistas sobre a Síria); tem daqueles que assumem uma posição moralista e apolítica: a incapacidade de compreender até agora o que está acontecendo permite apenas que apontem os dedos insistentemente para o PT como o grande culpado e sigam no mundo particular que construíram para si, esperando que a revolução venha lhes bater a porta; por fim, há daqueles que não podem tomar uma posição mais clara porque possuem vários pequenos partidos internamente, que vão desde as referidas posições anteriores (todas elas!), passando pela louvação da Lava Jato e até pela utilização de métodos heterodoxos de luta contra o golpe, que assume um caráter festivo e se expressa por cirandas e bundaços… A pequena-burguesia quando se encontra com a pós-modernidade acadêmica produz dessas coisas… E ela se diverte, sem dúvida. Deixemos os meninos brincarem.

Mas para quem não vê nada engraçado nesse processo, resta ainda a compreensão de que a pequena-burguesia é também a base social fundamental da reação: organizações que foram financiadas no suporte ao golpe agora se especializam em formar cães de guarda para, ao lado da polícia militar, atacar movimentos populares, como tem ocorrido com o movimento estudantil recentemente. A UNE, a UBES e o conjunto do movimento estudantil dão o exemplo de combatividade  ocupando escolas e universidades, câmaras municipais e, recentemente, inclusive o escritório da presidência da República em São Paulo. É por sua organização que sofre, prioritariamente, a repressão. Mas seguimos, com exemplos cotidianos e numa linha ascensional, com a violência praticada por forças do Estado e por seu aparelho jurídico. Não é mais o ovo da serpente: temos suas crias em plena ação.

A recente derrota eleitoral do campo popular, progressista e de esquerda é apenas o reflexo da bem sucedida ação do consórcio golpista montado a partir de 2013, reunindo partidos políticos, meios de comunicação de massa, profissionais do Direito cooptados, frações da burguesia, interesses imperialistas e do grande capital estrangeiro. Consórcio golpista, aliás, que não é uma exclusividade brasileira… O alto índice de abstenção eleitoral não revela simplesmente um descontentamento com a “política”: revela uma desesperança e um desprezo pelo processo institucional que foi amplamente desesperado e desprezado na farsa do impeachment da presidenta Dilma.

Como levar eleições a sério depois de tamanha carga propagandística que desqualificou por pelo menos dois anos o universo político institucional? Isso explica a eleição de excrescências como Dória em São Paulo, fazendo o discurso de que não é político. Curioso ver que candidatos de uma esquerda que se propõe como alternativa ao eleitorado próprio do PT tenderam a embarcar na mesma conversa, mas ali o resultado foi outro. Isso porque a política institucional foi arranhada, mas a esquerda foi, em conjunto, demonizada.

Não tenho dúvida que grande parte dessa massa da população que se absteve deve, inclusive, desaprovar o governo golpista de Temer e todas medidas tomadas contra os trabalhadores. Há um crise de credibilidade envolvendo os três poderes. Mas não tenho dúvida de que não tendem para a esquerda: essa massa descontente pode aderir facilmente a saídas mais à direita, a um fechamento maior disso que, retirado o verniz de legitimidade, se assemelha em tudo a uma ditadura, ainda que dando seus primeiros passos firmes.

Essa massa tende a aderir com alegria a um golpe dentro do golpe: a eleição indireta de um presidente, no ano que vem, assim que o TSE votar o impedimento da chapa Dilma – Temer… Esta é uma possibilidade daquelas que têm tudo para a concretização. Um presidente eleito pelo parlamento, para governar por dois anos. Um tucano, sem dúvida… Sejam quais forem as consequências desse ato,  fato mesmo é que representa um passo adiante no sentido do obscurantismo que tomou conta das instituições brasileiras. Dependendo dos desdobramentos, quem pode ter certeza de que teremos eleições em 2018?

Diante das condições adversas nas quais lutamos, me parece que vale uma mudança de palavra de ordem: ABAIXO O GOLPE!  e não FORA TEMER!… Justifico: o “fora Temer” é também pensado por setores dos próprios golpistas, que sonham com a condução de um tucano à cadeira presidencial por via indireta.  Nossa propaganda deve fazer a denúncia sistemática do processo do golpe, das possibilidades do golpe, apontar saídas progressistas, mas também defender a restituição da presidenta Dilma ao seu mandato conquistado pelo voto da maioria dos brasileiros: essa é uma condição fundamental se falamos em derrotar o golpe e retomar a “normalidade” institucional.

Isso não é o cenário dos sonhos, mas apenas lidar concretamente com a conjuntura adversa em que vivemos, sem os oportunismos de direita e sem desvios de esquerda. Poderíamos ter aí uma base para a formação de uma ampla frente, progressista, democrática e de esquerda: ABAIXO O GOLPE!; contra as medidas que ferem as conquistas dos trabalhadores; pela restituição legítima do mandato da presidenta e a punição dos golpistas.

 

“Tchau querida”… Democracia!

Cesar Mangolin

Alguns parlamentares terminavam seus votos ontem lançando ao vento um desdenhoso “tchau querida”, maneira jocosa e desrespeitosa de se dirigir à presidente da República que, por ser mulher e viver numa sociedade machista, tem sofrido num grau a mais as baixezas dessa direita rançosa e preconceituosa. Mas o “tchau” ontem não foi dado  para a presidente. Tampouco foi dado a um partido, ou a um programa de governo e, muito menos, à corrupção: o tchau foi para a democracia.

Insistimos nesses últimos meses que o maior risco que corríamos era esse e que, mesmo os que são oposição ao governo de Dilma Roussef tinham a obrigação de defendê-lo contra a sanha golpista que historicamente ronda a república brasileira.

Não tenho ilusões com a democracia e não a considero um valor universal: ela precisa sempre vir adjetivada, qualificada. Essa adjetivação imprime seu caráter, ao mesmo tempo em que aponta seus limites: dentro da ordem capitalista, falamos da democracia burguesa, assim como em Atenas tínhamos uma democracia escravista. As possibilidades e os limites de uma democracia assim demarcada são postos pela luta de classes, ou seja, é a capacidade de organização e pressão dos trabalhadores que pode alargar ou diminuir, dentro dos seus limites (o da ordem burguesa…) a participação popular. Não podemos negar a importância para as organizações dos trabalhadores desse espaço legal de arregimentação, propaganda e movimentação mais ou menos livres proporcionados por nossa restrita democracia.

No Brasil, de democracia jovem e frágil, o voto é um dos maiores e mais ilustres instrumentos de participação. A cada dois anos, os brasileiros comparecem às urnas e elegem seus governantes e representantes. Mais ou menos iludidos com a força do dinheiro e da ação midiática, mais ou menos convencidos dos seus interesses, mais  ou menos dispostos a manter ou mudar de rumo: não importa para onde, o fato é que podem escolher e podem, até, eleger operários presidentes da República. Isso não é pouco.

Ontem, um precedente que fere de morte essa democracia limitada, mas fundamental, foi aberto: a presidente, eleita elo voto direto da maioria dos eleitores pode perder seu mandato sem que tenha cometido qualquer crime de responsabilidade. Um golpe articulado, que se utiliza arbitrariamente de instrumentos criados para exatamente proteger nossas parcas liberdades democráticas. Isso virou regra no Brasil com a Lava-Jato, essa grande operação seletiva e arbitrária que preparou o terreno do golpe. Fere de morte a democracia porque, daqui pra diante, a lição que fica é que o mandato conquistado nas urnas pode ser usurpado por uma maquinação de gabinete. A lição que fica é que não importa quem a população elege, importam apenas os interesses de algumas frações do grande capital e de alguns bandidos de terno e gravata que povoam o Congresso Nacional.

É necessário ser muito estúpido e mal caráter para afirmar que a corrupção sofreu qualquer dano com o resultado de ontem. Pelo contrário: uma sequência de criminosos reconhecidos votaram pelo “sim”, dirigidos por uma mesa que tinha um ladrão qualificado como Eduardo Cunha e um senhor de escravos moderno e ladrão de galinhas, Beto Mansur. Os brasileiros atentos puderam ver, um a um, de que tipo de gente é feita a Câmara dos Deputados e devem ter se assustado com a baixeza que presenciaram, com as exceções devidas dos que votaram “não”. Seria muito triste e vergonhoso estar ao lado dos que “venceram” ontem… Quem venceu ontem foi a corrupção, foi o preconceito, foi a estupidez violenta das elites brasileiras que, secularmente, chamam de paz social o massacre dos trabalhadores e se inquietam quando eles alcançam ter o que comer todos dias.

Em lugar de “tchau” seria mais correto dizer “adeus, querida”. Essa democracia, com essa qualificação e limite, morreu. Mas que não se iludam os fascistinhas de plantão: saberemos honrar os que combateram para conquistá-la! Saberemos trazer à tona uma outra democracia, de outra ordem, com outra qualificação e que está sendo gestada. Outra democracia que virá à luz sobre os ombros dos homens e mulheres que formaram a coluna vermelha que tomou Brasília ontem. Uma democracia popular, soberana e socialista!