Aos cristãos: que o Natal seja um ponto de inflexão!

Cesar Mangolin

Perdi a regularidade dos textos do blog por causa de outras tarefas que preciso cumprir, mas não poderia deixar de mandar um salve pelo natal aos cristãos.

Fui cristão um dia. Tenho críticas diversas ao cristianismo e ao papel que tem cumprido pelos séculos no auxílio à opressão e exploração dos trabalhadores, exatamente aqueles pequeninos que o seu mestre alertava que tudo que fosse feito a eles era a ele que se fazia. Discordo da venda de ilusões, do comércio da fé, da individualização constante, da carneirização do povo, do discurso moralista que despreza a vida.

Qual camaleão milenar, ninguém deve discordar de que o cristianismo, desde que se romanizou, se ajusta de maneira formidável aos interesses das classes dominantes e expressa, como dogmas de fé, valores sobre os quais se justificam as mazelas vividas pelos mais pobres.

Outro aspecto que me desagrada profundamente é a intolerância, que jamais nos levou a resultados razoáveis e, perdoem-me amigos cristãos, os que têm fé em qualquer uma das religiões monoteístas são de uma intolerância que beira a animosidade e a burrice. Isso serve para cristãos, muçulmanos e judeus, particularmente.

Com essas ressalvas, que servem apenas para demarcar o terreno e escapar daqueles discursos natalinos fáceis e vazios, minha mensagem por ocasião dessa data importante para os cristãos pelo mundo afora tem, portanto, inicialmente esse desejo de que a intolerância, que não fazia parte da mensagem de Jesus, seja pensada e superada e que tomem seu lugar os mais valiosos ensinamentos da universalidade crítica, que é também política, e que levaram o próprio Cristo a ser executado como preso político que foi.

Conheci cristãos e histórias de cristãos que levaram isso à radicalidade e muitos deles tiveram o mesmo fim do mestre. Lembro aqui dos que defenderam a vida (e a vida em abundância!), nas figuras de Camilo Torres, do heroico povo de El Salvador e de Romero, dos que tombaram pela América Latina, por vezes com armas nas mãos, não porque defendiam a violência pura e simples, mas porque não havia outro recurso para a defesa da vida.
Esse ato extremo é uma prova de amor, do amor mais puro e desinteressado, que sabe do risco da morte que é, ao mesmo tempo, o risco da vida melhor e mais justa. “Ousar lutar, ousar vencer”, dizia Mao Tse Tung. Ousar colocar a vida em risco era também ousar construir um mundo melhor, sem violência, sem miséria, sem injustiça.

Talvez ser cristão é agir como Jesus, como nos é apresentado pelos evangelhos. Estava com os mais pobres e não fechava as portas aos demais, desde que se convertessem, ou seja, desde que deixassem de oprimir e explorar os pequeninos. Os doentes e deficientes, tratados como amaldiçoados por deus pelos judeus, eram curados. Isso nos ensina que Jesus libertava os marginalizados e demonstrava que deus não era o responsável por sua situação física e social. Ele andava com os que precisavam dele, com os que pecam. Não fundou um grupo seleto de puritanos santos que desviam o olhar e o caminho dos que vivem de outra forma.

Sua vinda para que todos tenham vida, e vida em abundância, significa alegria, mas também dá o sinal de uma vida material que dê a todos condições mínimas de conforto e alimentação. O reino não é prêmio de uma vida de privação: é construção diária e envolve, necessariamente, justiça social. Ao ver os famintos, Jesus dividiu os poucos pães e peixes que tinha, não disse que a fome e a miséria daquele povo seriam recompensadas após a morte.

Talvez ser cristão seja, principalmente, viver como os discípulos de Emaús: não foram convencidos por promessas esquisitas de algum pregador esquizofrênico; não compraram um pedaço do céu e aguardaram, como carneiros, a morte para tentar viver bem; não desprezaram os que não faziam parte de sua fé; eles apenas perceberam que na partilha do pão com o próximo e o desconhecido estava a essência e razão de sua fé, apesar da morte de seu mestre e da confusão e perseguição que sofriam.

Não é necessário pertencer a alguma igreja para que isso ocorra. Nem mesmo ser cristão. Conheço ateus e outros que vivem isso. Tenho certeza que havendo deus (ou deuses) ele pouco se importa em ser chamado de trindade, javé, alá, olorum ou qualquer coisa que seja. Mais vale como se vive e a sinceridade dos atos, mais do que as formalidades e os códigos morais.

Que o natal sirva os cristãos como momento de inflexão (no sentido de mudança de rumo). O mundo seria mais feliz se caminhássemos assim.

3 comentários sobre “Aos cristãos: que o Natal seja um ponto de inflexão!

  1. Obrigado pela saudação, Cesar.
    Sou cristão, não religioso, conforme Jesus dos evangelhos e de Paulo do NT. Cuja vida continua expressando o seu amor e sua causa no chão da vida, dia a dia. Junto com muitos outros homens e mulheres do bem, sem a necessidade de uma confissão ortodoxa, pois em pessoas como eu e você nos basta a força da vida desse espírito repartido a todos que assim acolherem.
    Grande abraço fraterno!
    Moura

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