A indigência intelectual e moral dos golpistas

Cesar Mangolin

Esclareço os termos antes de tudo.

Entendo o processo que levou à derrubada da presidenta eleita pelo voto direto como um GOLPE DE ESTADO. Portanto, chamo de golpistas tanto os que articularam diretamente o golpe, quanto os que o apoiaram e festejaram. Mas a estes últimos me refiro preferencialmente aqui.

A indigência refere-se a um estado miserável, vem da palavra latina que também quer dizer “carência”, no sentido de que faltam elementos básicos e fundamentais. Portanto, a indigência intelectual é um estado de miséria e carência absoluta de fundamentos teóricos e capacidade de análise. A indigência moral é marcada pela ausência de princípios, a miséria que se expressa pelo comportamento, o que minha mãe chamaria no popular de falta de vergonha na cara mesmo.

Pois bem. Esclareço brevemente as duas características nesse processo do golpe.

Os que apoiaram e festejaram o golpe são indigentes intelectuais porque é notória a incapacidade de estabelecer conexões com interesses diversos envolvidos no processo. Mas mais que compreender o que está por trás do golpe e o explica, essa gente não é capaz de compreender a gravidade do momento em que vivemos, a seriedade e as consequências mais ou menos duradouras do retrocesso que demos início, tanto na vida política do país, quanto nas condições de vida dos trabalhadores, o que envolve também o grosso dos setores médios batedores de panelas.

Mas não é por falta de capacidade de análise que festejam o golpe… É infantil e ingênua a versão corrente de que a suposta burrice seria a explicação para que tantos trabalhadores apoiassem  golpe… Que, no geral, são incapazes de fazer uma análise mais ampla, não há duvida. Mas isso também ocorre com boa parte dos que são contra o golpe. Quero dizer com isso que precisamos romper com a ideia de que é a falta de conhecimento a explicação para tudo… Por detrás dessa argumentação está sempre a ideia de que a ilustração por si só garantiria uma sociedade mais justa e lança preferencialmente aos que não tiveram acesso à escolarização formal a culpa de tudo. Não esqueçam que esse é um argumento amplamente utilizado pelos golpistas para atacar os trabalhadores mais empobrecidos e lhes responsabilizar por nossas misérias. Ora, que os iluministas tenham vivido desse tipo de ilusão e que muitos persistam nessa perspectiva, é fato. Principalmente aqueles envolvidos com processos educativos. Mas não é razoável: possuímos exemplos suficientes desde o século XVIII que nos permitem considerar esse tipo de explicação da realidade uma maneira de simplificar e, na verdade, de fugir da explicação e da tentativa de compreensão da realidade objetiva. Fora isso, é bom lembrar que boa parte dos golpistas, verdadeiros indigentes intelectuais e morais, são também formados nas universidades, são mestres, são doutores…

Enfim, afirmo que os que apoiam o golpe não sofrem apenas de uma dificuldade de compreensão da realidade: insisto que esses limites estão postos também para boa parte dos que lutam contra o golpe. O que chamo aqui de indigência intelectual dos golpistas está ligada e subordinada à sua indigência moral. Esse é o fator preponderante.

E compreendam que não estou falando de nada fora da política, no sentido mais amplo do termo. Não submeto a política à moral, mas o contrário: ainda que os golpistas compreendam a si mesmos apenas com indivíduos singulares e atomizados, como é próprio da ideologia do nosso tempo, esse efeito de indigência moral é antes de tudo coletivo e organizado por práticas políticas bem precisas.

Vou tentar fazer uma síntese breve disso: o golpista é indigente moral porque sabe (e já faz tempo) que o processo não tem nenhuma relação com a luta contra a corrupção. Ele saiu às ruas com a camisa da CBF, tirou fotos com a polícia sorridente e gritou “somos todos Cunha”!!!!  O golpista apoiou a perseguição a lideranças do PT porque eram do PT, porque odeiam qualquer coisa que cheire a trabalhador, ainda que eles mesmos sejam trabalhadores. Odeiam a melhoria das condições de vida dos mais pobres porque isso lhes ameaça os canais tradicionais de manutenção como setor médio; mas odeiam também porque perdem aquela parcela da população que pode lhes servir em troca de um prato de comida ou de qualquer punhado de moedas. Lembram do escândalo das madames quando direitos trabalhistas básicos passaram a vigorar para o trabalho  doméstico? Os golpistas são indigentes morais porque são mesquinhos, egoístas. Eles praticam e demandam violências das mais diversas. O pacote vem completo: o desprezo pelos mais vulneráveis socialmente é refletido pelo desprezo aos trabalhadores,   às causas das mulheres, pela homofobia, o racismo, os mínimos direitos de crianças e adolescentes etc.. Em poucas palavras: eles optam por ficar ao lado do que há de mais podre, daqueles que secularmente dilapidam as riquezas nacionais e esfolam os trabalhadores brasileiros, ficam ao lado da corrupção, da violência em todos os sentidos e SABEM MUITO BEM QUE FAZEM ISSO!!! 

E compreender isso, romper com a ideia de que o problema é apenas de “burrice” ou ignorância, auxiliará aos que combatem o golpe a conhecer melhor seus inimigos e melhor definir o campo da luta que segue.

Não há inocentes!

 

O governo caiu por seus méritos: compreender o golpe e organizar a luta.

Cesar Mangolin

Uso este texto para poder melhor expressar uma posição inicial que me parece dever ser a dos que pretendem dar prosseguimento ao debate e à organização para a luta nessa nova conjuntura. É um texto sucinto, escrito para dialogar com militantes da esquerda, não com “coxinhas” histéricos e nem com o esquerdismo infantil, a irrelevante esquerdinha do “nem, nem”, do “é tudo igual” e do “voto nulo”. Penso que os militantes progressistas, democratas e de esquerda, enfim, todos que compreendem a derrubada da presidente Dilma como um golpe e um atentado perigoso à nossa frágil democracia devem pautar suas análises e a construção da tática para o momento a partir de uma constatação importante e fundamental que adianto aqui: o governo foi derrubado por seus méritos.

É importante pensar e expressar essa obviedade porque tivemos três grandes posicionamentos diante do evento. 1) o governo caiu porque é corrupto; 2) o governo caiu porque fez alianças com a direita; 3)  Michel Temer foi o vice-presidente eleito na chapa do PT, portanto, a “culpa” é do PT mesmo.

A primeira posição é frouxa, como bem sabemos, e não merece que nos estendamos nela. Não porque corrupção não seja um problema! É um grave problema, sem dúvida, mas foi apenas o cavalo de batalha e jamais a questão central em todo o processo. É necessário para qualquer um ser muito estúpido ou muito safado para continuar a afirmar algo assim, transcorrido o processo. Não há, de maneira alguma, mais espaço para esse tipo de argumentação.

As posições dois e três estão articuladas e são, ambas, equivocadas. A conjuntura de crise das políticas neoliberais do final da década de 1990 e começo dos 2000 permitiu uma série de governos progressistas e de esquerda e centro-esquerda por toda a América Latina e também na Europa. Mas essa possibilidade aberta pela crise generalizada deveria ser contingenciada pelas conjunturas internas de cada país, ou seja,  as possibilidades dessas experiências serem mais ou menos avançadas dependeu, como sempre, do nível de acirramento das lutas de classe dentro de cada país. Isso explica a capacidade de tomar medidas mais ou menos progressistas e até mesmo o caminho tomado para a chegada ao governo e o espaço real de manobra e movimento: as experiências mais amparadas em movimentos populares mobilizados e com histórico recente de grandes lutas nacionais pode explicar, por exemplo, a maior radicalidade das experiências da Bolívia, do Equador e da Venezuela. Assim como um menor acirramento interno das lutas de classe podem explicar a necessidade de dar largo peso ao processo institucional e buscar alianças para além do campo popular e de esquerda para viabilizar vitórias eleitorais. Isso não ocorreu somente no Brasil, mas também na Argentina, no Chile, no Paraguai, no Uruguai, na Nicarágua etc..Após um breve ciclo de crescimento econômico, mas principalmente, de desenvolvimento social, todas essas experiências (as mais e as menos avançadas) passaram a sofrer revezes com a persistência da crise internacional do sistema capitalista. Nuns casos, eleitorais (Chile – que retornou depois-, Argentina, vários países da Europa, por exemplo…), noutros, diante da impossibilidade ou incapacidade de vitória eleitoral dos setores reacionários, o caminho foi o golpe, como ocorreu no Paraguai, como é tentado na Venezuela e, agora, no Brasil.

É óbvio que todos lembram da “Carta aos Brasileiros” de Lula e do PT na campanha de 2002. Lembram também que foi uma ampla e heterogênea frente de partidos e movimentos populares a responsável por sua eleição, cuja vice-presidência era ocupada por um empresário do extinto Partido Liberal… A composição do governo refletiu essa frente, sem dúvida. Mas provavelmente não haveria a vitória eleitoral não fosse essa montagem, assim como não ocorreria nas eleições sucessivas. Dizer agora que a sequência de governos (os dois de Lula, o de Dilma) poderia ter criado bases sociais para saídas mais avançadas denota apenas uma visão paternalista e ilusória com relação ao Estado burguês (a mesma que foi capaz de cooptar movimentos e lideranças populares) e a incapacidade que partidos e movimentos mais avançados tiveram de inserção e organização, isso sim, fundamental para que essas saídas ocorressem. É da capacidade de luta, de mobilização e de organização dos trabalhadores que depende qualquer saída mais avançada e até revolucionária, não da máquina do Estado…

Mas essas ilusões com o Estado burguês não significam, de outro lado, que governos com o perfil do ciclo petista não eram fundamentais! Os trabalhadores conquistaram durante esses governos condições e “direitos” que secularmente lhes foram negados. Ainda que imbricados nas contradições e necessidades de ceder ao grande capital e, ao mesmo tempo, realizar avanços sociais, ninguém pode negar que as condições de vida dos trabalhadores por todo o país foram elevadas positivamente e que jamais se fez tanto pela redução ou eliminação da miséria e das desigualdades gritantes.

Michel Temer, político tradicional do “centro” pantanoso que é o PMDB, que tende para qualquer lado onde possa ocupar mais espaço, era parte de um governo com esse perfil: eleito por uma frente heterogênea de partidos, mas com compromissos sociais claros, com compromissos com determinadas frações do capital também claros. Vejam: determinadas frações do capital que eram atendidas prioritariamente nos seus interesses porque faziam parte do projeto desenvolvimentista que estava na base desse governo e era seu programa. As demais frações do grande capital participavam, sem dúvida, secundariamente. É necessário compreender as contradições internas da própria burguesia, porque é uma parte dela e não seu conjunto quem está por detrás do golpe. Não esqueçam que uma parcela da burguesia está, inclusive, na cadeia: as grandes empresas responsáveis pela construção pesada, pela construção civil, pela indústria naval, de segurança territorial etc.. Aliás, exatamente aquela fração privilegiada pelo programa desse ciclo de governos. Enfim, isso tudo pra dizer que Michel Temer não foi eleito para fazer parte de um golpe de Estado: foi eleito, dentro das regras democráticas e da ordem constitucional para ser o vice-presidente de um governo que tinha programa já aplicado e em andamento. Não é possível ver gente de esquerda fazendo esse discurso agora de que a “culpa” é do PT mesmo por isso… O golpe ocorreria, com ele, sem ele… Personalizar o golpe, assim como o próprio PT estava fazendo, dizendo que é uma armação de Temer e uma vingança de Eduardo Cunha é reduzir o problema a uma intriga palaciana e perder sua dimensão política e de classe.

Eu defendi desde as manifestações de junho de 2013 (que foram tomadas pela pequena burguesia por todo o país) que havia uma articulação diferente da direita em andamento, que havia a ameaça de golpe. Com o início do processo eleitoral em 2014, ficou bastante claro que não teríamos ali uma eleição qualquer: tínhamos dois projetos de dentro da ordem burguesa, sem dúvida, mas dois projetos em disputa, sendo que o que vinha da direita ganhava força, o que ficou expresso na campanha (mais violenta que de costume) e na votação final. Era necessário a partir dali defender esse governo, não por sermos “governistas” acríticos, mas porque o que viria em seu lugar significaria um forte retrocesso.  Enfim, não é necessário e estenderia demais esse texto mencionar todos os grandes lances do processo, mas o fato é que tivemos golpe que precisa ser compreendido para além dessas três posições superficiais mencionadas acima.

E repito, para poder concluir, que esse governo foi derrubado por seus méritos, não por outro motivo. É necessário ir para além das facilidades da análise para compreender sua real dimensão e sentido. É ser rasteiro e leviano afirmar que era um serviçal governo de direita que perdeu a importância e foi descartado (como tem feito a “esquerdinha” burra). Foi um golpe dado contra a nossa frágil democracia, que favorece a organização e ação popular, um golpe dado contra as conquistas sociais, um golpe dado contra os avanços da luta contra o racismo, um golpe dado contra os avanços do movimento feminista, na luta contra a homofobia. Fundamentalmente, um golpe violento contra os cantões do Brasil, um golpe que vai interromper mudanças fundamentais que trouxeram condições mínimas de dignidade para uma parcela considerável da população brasileira. Um golpe que pretende recriar no Brasil as condições para a acentuação da exploração dos trabalhadores e das nossas riquezas  pelo grande capital estrangeiro.

Claro que ocorreram vacilos, erros etc.. Óbvio que um pouco do conjunto daqueles três argumentos precisa ser tomado para entender essa derrota histórica. Mas atribuir a “culpa” do golpe a quem sofreu o golpe é o mesmo que atribuir à vítima de violência a responsabilidade pela violência sofrida, como fazemos com as mulheres vítimas de violência sexual, por exemplo, quando afirmamos que foram atacadas porque estavam vestidas de tal maneira, porque estavam na rua tarde da noite e coisas do tipo.

Tampouco me parece que nosso momento é o de encontrar culpados. Ao contrário, precisamos 1) compreender as razões desse golpe, seu caráter de classe e seu programa (isso está delineado acima…); 2)  saber como estão (concreta e objetivamente) as forças que se movimentam contra o golpe; 3) articular por todos os canais a reação organizada e a luta de resistência e ofensiva para derrotar o golpe e retornarmos numa posição qualitativamente mais avançada.

Penso que esse pontos (expostos de maneira apenas geral aqui), podem permitir um bom debate tendo em vista a ação.

 

Viuvez ou adultério? O antipetismo de esquerda.

Cesar Mangolin

Dilma concorreu as eleições com outros 10 candidatos Seis deles eram ex-petistas. Eduardo Jorge (PV), Marina Silva (PSB), Luciana Genro (PSOL), José Maria (PSTU), Mauro Iasi (PCB) e Rui Costa Pimenta (PCO). Nenhum deles apoiou o PT no segundo turno…

Os dois primeiros já estavam no colo da direita e se juntaram ao PSDB. O PSOL, que teve o mérito de pelo menos perceber as contradições do processo, liberou a militância para o voto, desde que não fosse em Aécio. Os dois partidos trotskistas fizeram o de sempre: declararam o voto nulo. O PCB, infelizmente, lhes seguiu os passos.

Claro que há razões apenas políticas (ainda que equivocadas na minha opinião) para a tomada de posição desses partidos, mas como não pensar que a coincidência dos ex-petistas não agrega no jogo uma pitada de questões subjetivas?

Sempre considerei o PT uma esquerda anticomunista. Valeria escrever um dia sobre isso e tentar colocar no papel de forma mais sistemática essa compreensão. Mas percebo a formação de uma esquerda antipetista, que me parece viver de dois impulsos: o esquerdismo e os rancores pela militância pregressa.

Alguém um dia criou a alcunha “viúvas do PT”… Independente daquele contexto, poderíamos pensar hoje que existe gente sofrendo de viuvez ou dos dramas do adultério… A viuvez faz lamentar aquele que não voltará jamais… O traído vive a mistura da saudade e do rancor raivoso por aquele que um dia acreditou ser o companheiro ideal para seguir até o final dessa jornada… Lembro bem, ali ainda no final dos anos 1980 e começo da década de 1990 como muitos dos que hoje engrossam as fileiras de outras organizações declaravam a certeza e o amor à alternativa popular e (na cabeça deles) revolucionária que significava o PT.

Viuvez ou adultério, pouco importa, o fato mesmo é que a chamada esquerda revolucionária é composta por partidos que saíram de dentro do PT (PSOL,PSTU e PCO) ou que recebeu militantes oriundos do PT (como o caso do PCB) ali na metade do primeiro mandato de Lula, que passaram a cumprir importantes papéis de direção e participaram de mudanças qualitativas na linha política e na organização. Há, sem dúvida, aspectos positivos nisso: o PCB ainda nas eleições de 2004 estava em coligações de direita por onde estava organizado. A partir de 2005 as coisas mudaram, mas guinaram ao esquerdismo.

As referidas organizações possuem o mérito de manterem, afirmativamente, a bandeira do socialismo e da necessidade do processo revolucionário vivos, mas que (e por razões diversas) não conseguindo participar das lutas concretas e das contradições realmente existentes em nossa conjuntura, atuam negativamente com relação à própria possibilidade de avanço desse processo, embora ressalvas devam ser feitas com relação ao PSOL, que tem feito um esforço em participar, a seu modo, da vida concreta. Além de PCB, PCO, PSOL e PSTU, há mais uma infinidade de “coletivos”, “agrupamentos”, “ligas” e outras coisas que possuem, cada qual a sua maneira e de forma cada vez mais isolada, um belo discurso revolucionário e “vanguardeiro”. Quanto menores e mais distantes da realidade, mais esses pequenos grupos se apresentam como os portadores da verdade revolucionária.

Confundindo a realidade objetiva com a própria vontade (como é próprio do esquerdismo) esses grupos confundem o objetivo revolucionário (estratégico) com as mediações necessárias e cambiantes de cada conjuntura (a tática): ao afirmar a necessidade da revolução, afirmam também que as condições para que ela ocorra já estão presentes, atribuindo aos traidores da classe (como é próprio do trotskismo) ou a pequenos ajustes conjunturais a razão do seu atraso. Não é raro dirigentes dessas organizações verem a “protoforma do proletariado revolucionário” em ação nas ruas, mesmo quando temos apenas uma manifestação massiva e plena de contradições com tendências majoritárias à direita como foram as tais “jornadas de junho”. O revolucionarismo pequeno-burguês, mesmo que tenha participado daqueles eventos à reboque e a duras penas com seu reduzido número de militantes, tende a ver-se como a essência cristalina e pura da transformação como mero ato subjetivo da vontade. Não conseguiram explicar até hoje como o “proletariado revolucionário” das ruas de junho apareceu depois, nas urnas, como eleitores de Aécio Neves e de Marina Silva e hoje se apresenta como a base social que pede o impeachment de Dilma e/ou a ditadura militar… Insistem apenas em proclamar-se os fiéis representantes da “rebeldia das ruas”, ainda que ela não ocorra…

O silêncio dessas organizações sobre a escalada de direita e golpista que vivemos é sintoma de sua ausência de realidade, de sua incapacidade de análise concreta da situação concreta, de uma posição moralista derivada daí (o famoso “isso é culpa do próprio PT que blablablabla…”) e de um ranço que apenas posso compreender como subjetivo (a viuvez ou o adultério…) que cega a todos ou parte de seus dirigentes.

Mas há dois argumentos rápidos que devem ser apresentados para justificar uma ação contrária à escalada da oposição à direita: um é sócio-econômico e mais óbvio; outro é somente político e também óbvio, não fosse a cegueira dos nossos dirigentes. Mas dizer o óbvio tornou-se praxe dos nossos dias…

Mas vamos ao primeiro: o governo de Dilma e os governos do PT têm problemas, não há dúvida. O partido ajustou-se perfeitamente à lógica do jogo capitalista, assim como todo e qualquer governo anterior, assim como todas as instâncias pelo país afora, assim como quase todos os partidos. São governos que jamais pretenderam ou prometeram fazer além do que fazem: gerenciar o capitalismo brasileiro concedendo ou reconhecendo alguns direitos a mais aos trabalhadores e às populações mais empobrecidas. Não acho, no entanto, que isso seja pouco, ou que seja desprezível.

Li, ano passado, um texto de um partido da esquerda que defendia que as duas candidaturas no segundo turno eram iguais: uma era capitalismo com mais Estado, a outra com menos… Burrice: mais ou menos Estado, nas nossas condições objetivas, significa retirar ou lançar muita gente na miséria absoluta e isso deveria interessar bastante aos que lutam ao lado dos trabalhadores…

Constatar que os governos de Lula e Dilma servem ao grande capital é como afirmar com tom de descoberta científica que fogo queima e água molha. Não apenas o de Dilma e Lula, mas também os de FHC, de Collor, de Sarney, os dos generais da ditadura… Para marxistas deveria ser bem óbvio que, dentro da ordem burguesa, não apenas o Estado, mas toda a estrutura jurídico-política serve ao grande capital. O mesmo serve também para o tratamento dos limites dos processos eleitorais dentro dessa ordem. O que falta aqui é perceber, a partir da análise da nossa conjuntura e não da que a vontade desejava que existisse, que a ordem burguesa, assim como o processo revolucionário, não são estáticos, portanto, são plenos de movimento e de contradições. É tendo como referência o objetivo estratégico que as mediações com a vida real precisam ser construídas. Isso significa participar da vida e das lutas do cotidiano dos trabalhadores, das condições severas e adversas que abrem as possibilidades de avançar um passo aqui e recuar outros ali. Significa atuar em todas as contradições possíveis dentro da ordem burguesa, no sentido de aguçá-las. Não podemos afirmar que os governos Lula e Dilma são a mesma coisa que os governos de FHC. O esquerdismo é leviano e irresponsável quando faz isso. Há, sem dúvida, uma melhora nas condições de vida dos trabalhadores, em particular dos mais empobrecidos. Mudanças que, aliás, têm mudado o cenário de alguns cantões do Brasil, utilizados até pouco tempo atrás como reserva de votos de legendas da direita, como o DEM.

Enfim, não é possível fazer festa para os governos do PT, sem dúvida, como fazem o próprio partido e alguns de seus aliados de sempre do campo da esquerda, como o PCdoB. Que o governo serve aos interesses do grande capital não há dúvida, mas isso não nos deve permitir negar que ocorreram mudanças, mudanças qualitativas, que abrem e podem ainda abrir novas contradições, tanto entre frações do capital (a financeira e a industrial, por exemplo), como abre possibilidades para a atuação dos setores mais avançados da esquerda, com possível acesso a áreas e a contingentes de trabalhadores que, tendo necessidades básicas sanadas, abrem-se também para a possibilidade de outras soluções, para além do clientelismo do Estado, pelo menos em princípio para simplesmente ter acesso a condições mais favoráveis de vida. Para que isso ocorra necessitamos de organizações comprometidas com a estratégia revolucionária, mas que tenham os pés bem grudados no chão e sejam capazes de participar dessas lutas, desse processo. Vejam que falo do “possível”: isso significa que as contradições que se abrem apenas podem ser resolvidas ou aguçadas favoravelmente aos trabalhadores caso tenhamos uma ação consequente, que saiba apontar a contradição, o caminho de sua resolução e os limites do resultado dentro dessa ordem…. Apenas com forte trabalho inserido e a partir dessas novas possibilidades há construção efetiva de organizações revolucionárias e a possibilidade, no longo prazo, da retomada concreta da perspectiva socialista…

Fora essas novas e as antigas possibilidades, fora as novas contradições que esse ciclo gera, é necessário ter responsabilidade com aqueles que estão mais fragilizados pela pobreza extrema. Ainda que sejamos ainda um país de pobres, esse período recente conseguiu retirar da fome milhões de pessoas. Isso somente é um dado secundário para quem está com o buchinho cheio e olha o Brasil a partir da janela fechada do carro e vê apenas a Avenida Paulista, sonhando com a Champs-Elysées… A manutenção desses programas e a luta popular para que avancem para além disso deve ser uma bandeira de luta das organizações mais avançadas.

Isso nos remete ao segundo argumento, que apresento de forma rápida e direta: nossos dirigentes confundem elementos teóricos que utilizamos para pensar o modo de produção capitalista com a conjuntura política que é cambiante e exige maior criatividade. Exemplo para ir ao cerne da questão: o Estado, segundo Marx e Lênin, é sempre um Estado de classe. De alguma forma, a existência do Estado sempre será a ditadura de uma classe sobre outras, o “comitê executivo” da dominação de classe etc.. Isso é verdade e característico também das formações sociais capitalistas. Mas essa que é uma ditadura de classe historicamente se reveste na forma da democracia burguesa em períodos mais ou menos longos… O elemento fundamental que faz com que essa ditadura de classe seja obrigada a conviver com maiores ou menores liberdades democráticas é a luta de classes.

Objetivamente, é a capacidade de organização política dos trabalhadores e suas organizações que forçam, alterando a correlação política de forças, conquistas sociais e também espaço de ação política. Penso que somente os tolos podem acreditar que as condições de uma ditadura escancarada pode ser mais favorável à organização dos trabalhadores que as possibilidades de ação “abertas” pela democracia burguesa… É neste cenário que devem atuar e, portanto, todas as organizações dos trabalhadores devem lutar com todas as forças contra o golpismo em marcha, seja na forma da ditadura, seja na forma do golpe à paraguaia…

Isso não faz ninguém virar petista (ou retornar ao PT)… Isso é apenas atuar na nossa conjuntura politicamente e não de forma moralista, tendo clareza da nossa realidade concreta, atuando e aguçando suas contradições. Engrossar o cordão da direita fazendo oposição pela esquerda é um suicídio político. Falam línguas diferentes, mas falam a mesma coisa. A deposição da presidente na atual conjuntura representa um grande retrocesso para os trabalhadores brasileiros. É necessário ser bastante estúpido para tratar disso analisando “culpas”, ou afirmando que esse problema não é dos revolucionários…

Essas organizações, porém, com exceção do PSOL (até certo ponto), não possuem força política alguma… Pois então: atuar na conjuntura concreta, sem a postura moralista e infantil que tem marcado suas resoluções, é o único caminho e possibilidade que possuem de ter alguma relevância política. Os partidos trotskistas jamais compreenderão isso, mas o PSOL e o PCB (que tem agido e pensado, sintomaticamente, como uma organização trotskista) têm aberta a possibilidade e têm também o dever de abrir caminho para alternativas reais e concretas à esquerda. Isso somente se constrói com a inserção nos movimentos sociais e lidando com a realidade.

Mas o esquerdismo é implacável… As eleições passadas servem de exemplo. Repito aqui algo que escrevi naquele momento: A ausência de estrutura material e o desigual acesso aos meios de comunicação de massa justificam parcialmente a parca votação das candidaturas da esquerda. Mas devemos também considerar suas dificuldades em dialogar com os trabalhadores há muitos anos e de participar dos problemas e das lutas cotidianas. Ao apresentar apenas o horizonte estratégico (socialista), sem as devidas mediações, essas organizações acabaram por se fechar ainda mais no universo pequeno-burguês que combina com sua linha política escatológica. Orgulham-se de não fazer política porque assumem o dever (moralista) de não lidar com nada que não seja diretamente a revolução. Como ela não chega logo, da mesma forma que para os cristãos Jesus demora em voltar, vivem de apontar os dedos para os que se maculam nas fétidas águas da realidade objetiva. E tocam a vida satisfeitos e plenos de razão…

Portam-se como quem chega virgem aos 100 anos e nada mais lhe resta a não ser autovalorizar a própria pureza, ainda que ninguém se importe com isso.

A culpa é da Dilma: O antipetismo de direita

Cesar Mangolin

Um jumento em disparada faz algum estrago… Um bando deles faz mais ainda. Inconsequentes, não darão a devida importância para os danos que podem causar, apenas correm, destruindo tudo ao redor. Nem mesmo fazem ideia de quem abriu a porteira, talvez propositalmente.

Os neo-militantes de direita agem assim. Tomam problemas seculares do Brasil (como a corrupção) como se fossem obras dos últimos governos; atribuem à presidência da República responsabilidades de outras instâncias, inclusive responsabilidades dos abridores de porteiras bicudos que povoam nosso país e não se conformam com a derrota sofrida nas urnas.

Chama mais ainda a atenção que temos jumentos desembestados que se somam aos da direita vindos da esquerda, mas trataremos deles em outro texto…

Com vergonha alheia, vi gente (quase 40% da população) que atribui a falta de água ao governo federal; há quem atribua a segurança pública também. Mas há episódios mais tristes ainda: vi uma postagem que dizia que a Dilma havia concedido o direito de visita íntima a um assassino! Para esses tontos, a culpa de toda e qualquer desgraça brasileira tem nome: Dilma!

Enfim, chegamos num ponto em que a frase afirmativa “há limites para a estupidez!” somente pode ser proferida na sua forma interrogativa: “Há limites para a estupidez?” Parece que não.

A corrupção é inerente ao capitalismo… No Brasil persiste há muito. O caso da Petrobras, tomado com assombro pela mídia golpista e a classe média cor-de-rosa, é velho. Ainda era um adolescente quando trabalhava numa loja de conexões e ouvia um vendedor externo contar histórias sobre as casas de praia de compradores da Petrobras… Nessa mesma época aprendi que a propina, que “molhar a mão”, o “fazer rir” era uma prática comum. Nunca gostei nem a pratiquei, mas todos nós convivemos com ela. Quem descobriu apenas agora que as empreiteiras e demais empresas subornam compradores em processos licitatórios? Quem não sabe que há décadas no Estado de São Paulo algumas empreiteiras dividem entre si as grandes obras e “molham as mãos” de agentes do Estado? Corruptores e corruptos, farinhas do mesmo saco, crias da mesma ordem, existem desde muito tempo: isso não foi uma invenção dos governos do PT.

Mas a jumentice parece ter se tornado um adjetivo muito comum dos nossos tempos obscuros…

Há uma movimentação que envolve a grande mídia, políticos tradicionais com capivaras imensas, o tucanato, o judiciário e uma massa de manobra histérica que parece que começou a viver apenas agora e perceber as mazelas do tipo de capitalismo que se desenvolveu no Brasil.

Embora falem em nome de algum Brasil, fica claro, pelo que defendem, que não incluem o Brasil da população que mais sofreu, pela marginalização e empobrecimento contínuo, com a dragagem das nossas riquezas naturais e com a concentração de riqueza gritante e secular… A massa de manobra histérica não faz parte, obviamente, da seleta elite que concentra em suas mãos o grosso da riqueza social produzida. Os que esbravejam contra o PT e o governo não têm ideia do que estão falando; não são capazes de apontar uma solução mínima para qualquer problema. Repetem chavões, palavras de ordem sem sentido, de gente que não conhece minimamente nossa história recente.

Façam um teste: pegue um desses surtados e pergunte o que está errado e o que deveria ser feito para resolver o problema… Vai receber de volta um grunhido histérico e sem sentido, porque eles não sabem do que estão falando.

O mais triste e temerário é que forçam uma crise política seríssima, que interessa a determinados setores do grande capital. São marionetes dele…

Defendem o retorno da ditadura militar sem saber minimamente o que caracterizou aquelas duas décadas: entrega das nossas riquezas ao  capital estrangeiro; perda constante de poder aquisitivo dos salários; mais de dez milhões de mortos por fome no nordeste; genocídio de populações nativas; prisões arbitrárias, censura, tortura e assassinato…

Há também a curiosa postura da classe média brasileira que tem asco de tudo que se refira a trabalhador…

Os governos do PT atendem, sem dúvida, aos interesses do grande capital. É um governo da ordem burguesa, que dirige o Estado capitalista… Mas ao deslocarem esforços e recursos no atendimento a populações deixadas de lado por nosso processo histórico, deslocam recursos dos cofres do grande capital, que sempre tem espaços vazios para serem ocupados. No momento da crise que envolvia o segundo mandato de FHC, o PT e o governo de Lula, com as garantias que deram, foram palatáveis ao grande capital. Na entrada dessa nova crise, trata-se de tornar toda e qualquer fonte sob controle absoluto. Há muita diferença numa taxa selic de 36% (segundo mandato de FHC) e numa de 12%… Ou 7.4, que foi o mínimo alcançado no primeiro governo de Dilma… Isso toca em interesses diversos, beneficia algumas frações do capital, prejudica outras. A pressão dentro do bloco no poder e a capacidade de uma dessas frações tornar o Estado seu valet é o que está em jogo…

Há muito que se estudar e escrever sobre essas contradições, mas isso toma muito espaço… Mas, principalmente, exige tempo e paciência histórica. Algo que está ausente por aqui… Mas retomarei o argumento para falar do antipetismo de esquerda depois…

Por enquanto, vale a constatação de que os neomilitantes da direita e os da esquerda preferem facilidades: análises de lógica formal, sem contradições. Um programa redondinho e internamente coerente, ainda que não tenha relação com a realidade. O papel aceita qualquer coisa: recebe textos sagrados e também é utilizado nos banheiros…

Valeria aos que histericamente pedem o impeachment de Dilma pensar um pouco nos pressupostos do que chamam de “limpeza” da política, pensar nas soluções para nossos problemas mais graves… Caso sejam capazes de fazer isso, descobrirão que as soluções que andam apoiando representam um passo atrás muito perigoso. Que as marionetes desse jogo anti-popular percebam que ajudam a abrir as portas do seu próprio abismo.

Os resíduos de junho de 2013, as esquerdas e as eleições.

Cesar Mangolin

Na campanha eleitoral deste ano podemos ver candidatos e partidos diversos falando em nome do “recado das ruas” de junho de 2013. Cada qual que tenta aparecer como porta voz daqueles eventos faz deles a interpretação que melhor lhe cabe. Partidos da direita, de centro e de esquerda, também as legendas de aluguel, enfim, para qualquer um as manifestações do ano passado servem. Desde os que defendem a “rota na rua” até os que estão vislumbrando a revolução socialista para a semana que vem.

Penso que já há certa distância para que possamos pensar no saldo, ou no rescaldo, de junho de 2013. Pensar no que aquelas manifestações representaram de fato. Arrisco aqui sugerir ainda, mais ao final, possibilidades ainda sem um tratamento mais aprofundado de caminhos a seguir. Um debate necessário, que deve partir de incertezas e não de verdades absolutas.

Muitos de nós escrevemos ali, em 2013, no calor da hora, tentando uma interpretação mais próxima da realidade, tendo em vista nossa participação nela. Sem dúvida, quem escreveu naquele momento não tinha ainda a visão dos seus desdobramentos, portanto, cometeu equívocos e bons acertos – como ocorre geralmente com as tentativas de prever o futuro.

Eu mesmo escrevi, dias antes da grande manifestação de São Paulo, um texto que deu muita atenção aos boatos golpistas daquele momento. Penso que não foi sem justificativa: uma quantidade grande de gente se precipitando às ruas, de alguma forma, obrigou que agrupamentos políticos diversos se manifestassem. Houve a manifestação por parte de setores reacionários e o fantasma das saídas golpistas esteve no ar, efetivamente. Podemos agora perceber melhor que a conjuntura, porém, não permitiria a formação de base social concreta para as aspirações desses grupos mais à direita. Concluir isso agora é, obviamente, bastante fácil. Não me parecia assim no calor da hora. Eis minha autocrítica.

Mas meu texto também chamava a atenção para outro erro muito comum, que persistiu na análise de setores da esquerda sobre junho. Dizia naquele texto que não se tratava da juventude nas ruas protestando contra a ordem burguesa, mas ao contrário: que o grande fluxo que foi para as ruas somente ocorreu quando, para além do aumento do preço das passagens (o que envolvia mais diretamente a prefeitura de São Paulo), houve a associação com o governo federal. Essa associação não expressava exatamente qualquer desconforto com a ordem burguesa, mas explicitava um ranço conservador e de direita da crítica rasteira dos setores médios a um governo que, apesar dos pesares, ainda carrega a palavra “trabalhadores” no nome do partido.

Isso pode ser compreendido quando o governo do Estado de São Paulo (do PSDB) retirou das ruas o aparato repressivo que dias antes tinha massacrado uma manifestação bem menor no centro da cidade. O grosso daquelas manifestações que percorreram todo o território nacional foi formado pelos setores médios urbanos, conservadores, que fazem do discurso meritocrático sua bandeira e sua principal ilusão. Não tenho receio em afirmar, hoje, que aquele movimento teve um saldo de expressão e aprofundamento do conservadorismo, que se expressa politicamente pedindo mudanças, mas mudanças à direita e plenamente dentro da ordem. Não é a toa que o grosso dos que participaram daqueles movimentos vê numa fraude como Marina Silva a esperança para a solução dos seus problemas. Gente da mesma estirpe também viu em Mussolini e em Hitler a mesma promessa (sem querer, evidentemente, dar a Marina a estatura histórica dos dois citados).

Intelectuais, dirigentes e militantes da chamada “esquerda revolucionária” tenderam a um discurso triunfalista: confundindo a própria vontade com a realidade objetiva (como é próprio do esquerdismo), compreenderam ali um avivamento das lutas populares que não ocorria efetivamente. A desastrosa sequência das atividades, com a equivocada palavra de ordem “não vai ter copa” e seus correlatos, colocou esses partidos a reboque de dois grupos distintos em São Paulo: os infantis coletivos ultra-esquerdistas e o movimento de luta pela moradia, em particular, o MTST. Este último, vivendo das condições e contradições de qualquer movimento, ao ter a promessa de que suas aspirações seriam realizadas pelo governo federal, se retirou das ruas. Restaram os “anarcoloucos” da vida, seguidos de uma reduzida militância partidária perdida e sem peso político. O resultado sabemos qual foi: repressão desmedida, prisões arbitrárias, ausência total de respaldo ou diálogo com demais setores dos trabalhadores e o aprofundamento no caminho do auto-isolamento em guetos felizes que vêm a revolução às portas a qualquer grunhido da classe média. Protegidos ali pela bandeira casta dos princípios revolucionários, deixam de fazer política em nome da pureza moral. Esquecem-se da chamada de atenção de Lênin de que a política não se faz pelos princípios, tampouco se trata de um passeio em campo aberto, sem obstáculos. O esquerdismo é incapaz de participar da vida real e de utilizar como ponto de partida as condições concretas dos trabalhadores e seus movimentos. Esses partidos atraem a pequena-burguesia e seu revolucionarismo que, como dizia Lênin, decorre da insatisfação da sua perspectiva individualista. Servem a ordem burguesa na mesma proporção em que vislumbram seu fim próximo.

Por fim, os desvios de direita (tão nocivos como os de esquerda), ficaram por conta do partido no governo federal e seus aliados históricos. Tentando, ao mesmo tempo, tornar-se representante do “clamor das ruas” e detrator dos ultra de direita e de esquerda (de braços dados no processo), o governo foi forçado a ir mais à direita na medida em que a oposição de direita angariava o apoio dos debutantes nas ruas. O que pode garantir a vitória de Dilma nas urnas neste ano são os votos dos mais empobrecidos pelo Brasil afora, no geral, alheios a toda a movimentação que ocorreu em 2013. Os setores médios urbanos e os que vivem em sua órbita tendem a ir mais à direita, com Marina Silva e, residualmente, com Aécio Neves, que já está fora do páreo.

Há diferença, sem dúvida, caso Dilma continue, ou Marina se torne, presidente. Mas minha preocupação maior, como militante de esquerda, é como explicar o momento que vivemos e quais seriam as possibilidades para uma retomada, de fato, de um ciclo no mínimo progressista para o médio prazo.

O momento que vivemos já possui elementos de resposta pelas linhas acima: estamos separados por desvios à direita e à esquerda, ambos nocivos a uma política de esquerda consequente. Arrisco dizer que vivemos um momento novo, uma crise nova, mas ainda ligada ao que começou a acontecer 25 atrás, com a queda do Muro de Berlim e o consequente refluxo dos movimentos de esquerda. Um tempo marcado por uma ofensiva ideológica brutal com a pregação do fim da história, pela corrida para mudar nomes e símbolos associados ao movimento comunista, pela mudança de lado, pelo caminho ao centro e pela opção pela conciliação de classe (que explica o desvio de direita), pela tentativa de reafirmação de princípios revolucionários de forma desesperada e historicamente impaciente. Nossa conjuntura de médio prazo, marcada por esses eventos, nos coloca a tarefa de repensar a tática, equivocada por todos os lados.

Não é tarefa de quem pensa a realidade arriscar previsões do futuro. Mas é nosso papel arriscar dizer que o caminho para uma retomada de um processo de ascensão dos movimentos, no mínimo, progressistas, passa necessariamente pela capacidade de estar junto dos movimentos que organizam, ainda que residualmente, os trabalhadores. Estar nos sindicatos pelegos para dialogar com os trabalhadores e apontar outras possibilidades, nos movimentos populares participando das lutas cotidianas, no parlamento burguês, em todas as instituições, atuando em todas as contradições da formação social brasileira. Sem dúvida isso é ainda bem geral, mas podemos indicar o caminho que pode nortear (e exigir) as necessárias mudanças no modo de atuação das chamadas esquerdas: isso somente deve e pode ser feito abandonando as pretensões hegemonistas, a tendência ao aparelhamento, a cooptação dos movimentos pelo Estado e, fundamentalmente, aprendendo a ter paciência histórica, sem messianismo, sem revolucionarismo. Precisa ser de acordo com as possibilidades concretas abertas em cada quadra e não através de um discurso ininteligível, porque descolado da realidade. É preciso, como dizia Engels, saber aprender com os trabalhadores. É necessário lembrar que aos revolucionários cabe tentar fazer a revolução, não emitir auto-atestado de pureza. É preciso compreender, de fato, que revolução não é resultado apenas de atos de vontade, muito menos de proselitismo religioso, de conversão de consciências, de conquista de “corações e mentes”. Não são necessárias essas expressões sentimentais.

Passa da hora, isso sim,  de recolocar os pés no chão e recomeçar a caminhar.