Cesar Mangolin
Esclareço os termos antes de tudo.
Entendo o processo que levou à derrubada da presidenta eleita pelo voto direto como um GOLPE DE ESTADO. Portanto, chamo de golpistas tanto os que articularam diretamente o golpe, quanto os que o apoiaram e festejaram. Mas a estes últimos me refiro preferencialmente aqui.
A indigência refere-se a um estado miserável, vem da palavra latina que também quer dizer “carência”, no sentido de que faltam elementos básicos e fundamentais. Portanto, a indigência intelectual é um estado de miséria e carência absoluta de fundamentos teóricos e capacidade de análise. A indigência moral é marcada pela ausência de princípios, a miséria que se expressa pelo comportamento, o que minha mãe chamaria no popular de falta de vergonha na cara mesmo.
Pois bem. Esclareço brevemente as duas características nesse processo do golpe.
Os que apoiaram e festejaram o golpe são indigentes intelectuais porque é notória a incapacidade de estabelecer conexões com interesses diversos envolvidos no processo. Mas mais que compreender o que está por trás do golpe e o explica, essa gente não é capaz de compreender a gravidade do momento em que vivemos, a seriedade e as consequências mais ou menos duradouras do retrocesso que demos início, tanto na vida política do país, quanto nas condições de vida dos trabalhadores, o que envolve também o grosso dos setores médios batedores de panelas.
Mas não é por falta de capacidade de análise que festejam o golpe… É infantil e ingênua a versão corrente de que a suposta burrice seria a explicação para que tantos trabalhadores apoiassem golpe… Que, no geral, são incapazes de fazer uma análise mais ampla, não há duvida. Mas isso também ocorre com boa parte dos que são contra o golpe. Quero dizer com isso que precisamos romper com a ideia de que é a falta de conhecimento a explicação para tudo… Por detrás dessa argumentação está sempre a ideia de que a ilustração por si só garantiria uma sociedade mais justa e lança preferencialmente aos que não tiveram acesso à escolarização formal a culpa de tudo. Não esqueçam que esse é um argumento amplamente utilizado pelos golpistas para atacar os trabalhadores mais empobrecidos e lhes responsabilizar por nossas misérias. Ora, que os iluministas tenham vivido desse tipo de ilusão e que muitos persistam nessa perspectiva, é fato. Principalmente aqueles envolvidos com processos educativos. Mas não é razoável: possuímos exemplos suficientes desde o século XVIII que nos permitem considerar esse tipo de explicação da realidade uma maneira de simplificar e, na verdade, de fugir da explicação e da tentativa de compreensão da realidade objetiva. Fora isso, é bom lembrar que boa parte dos golpistas, verdadeiros indigentes intelectuais e morais, são também formados nas universidades, são mestres, são doutores…
Enfim, afirmo que os que apoiam o golpe não sofrem apenas de uma dificuldade de compreensão da realidade: insisto que esses limites estão postos também para boa parte dos que lutam contra o golpe. O que chamo aqui de indigência intelectual dos golpistas está ligada e subordinada à sua indigência moral. Esse é o fator preponderante.
E compreendam que não estou falando de nada fora da política, no sentido mais amplo do termo. Não submeto a política à moral, mas o contrário: ainda que os golpistas compreendam a si mesmos apenas com indivíduos singulares e atomizados, como é próprio da ideologia do nosso tempo, esse efeito de indigência moral é antes de tudo coletivo e organizado por práticas políticas bem precisas.
Vou tentar fazer uma síntese breve disso: o golpista é indigente moral porque sabe (e já faz tempo) que o processo não tem nenhuma relação com a luta contra a corrupção. Ele saiu às ruas com a camisa da CBF, tirou fotos com a polícia sorridente e gritou “somos todos Cunha”!!!! O golpista apoiou a perseguição a lideranças do PT porque eram do PT, porque odeiam qualquer coisa que cheire a trabalhador, ainda que eles mesmos sejam trabalhadores. Odeiam a melhoria das condições de vida dos mais pobres porque isso lhes ameaça os canais tradicionais de manutenção como setor médio; mas odeiam também porque perdem aquela parcela da população que pode lhes servir em troca de um prato de comida ou de qualquer punhado de moedas. Lembram do escândalo das madames quando direitos trabalhistas básicos passaram a vigorar para o trabalho doméstico? Os golpistas são indigentes morais porque são mesquinhos, egoístas. Eles praticam e demandam violências das mais diversas. O pacote vem completo: o desprezo pelos mais vulneráveis socialmente é refletido pelo desprezo aos trabalhadores, às causas das mulheres, pela homofobia, o racismo, os mínimos direitos de crianças e adolescentes etc.. Em poucas palavras: eles optam por ficar ao lado do que há de mais podre, daqueles que secularmente dilapidam as riquezas nacionais e esfolam os trabalhadores brasileiros, ficam ao lado da corrupção, da violência em todos os sentidos e SABEM MUITO BEM QUE FAZEM ISSO!!!
E compreender isso, romper com a ideia de que o problema é apenas de “burrice” ou ignorância, auxiliará aos que combatem o golpe a conhecer melhor seus inimigos e melhor definir o campo da luta que segue.
Não há inocentes!