A indigência intelectual e moral dos golpistas

Cesar Mangolin

Esclareço os termos antes de tudo.

Entendo o processo que levou à derrubada da presidenta eleita pelo voto direto como um GOLPE DE ESTADO. Portanto, chamo de golpistas tanto os que articularam diretamente o golpe, quanto os que o apoiaram e festejaram. Mas a estes últimos me refiro preferencialmente aqui.

A indigência refere-se a um estado miserável, vem da palavra latina que também quer dizer “carência”, no sentido de que faltam elementos básicos e fundamentais. Portanto, a indigência intelectual é um estado de miséria e carência absoluta de fundamentos teóricos e capacidade de análise. A indigência moral é marcada pela ausência de princípios, a miséria que se expressa pelo comportamento, o que minha mãe chamaria no popular de falta de vergonha na cara mesmo.

Pois bem. Esclareço brevemente as duas características nesse processo do golpe.

Os que apoiaram e festejaram o golpe são indigentes intelectuais porque é notória a incapacidade de estabelecer conexões com interesses diversos envolvidos no processo. Mas mais que compreender o que está por trás do golpe e o explica, essa gente não é capaz de compreender a gravidade do momento em que vivemos, a seriedade e as consequências mais ou menos duradouras do retrocesso que demos início, tanto na vida política do país, quanto nas condições de vida dos trabalhadores, o que envolve também o grosso dos setores médios batedores de panelas.

Mas não é por falta de capacidade de análise que festejam o golpe… É infantil e ingênua a versão corrente de que a suposta burrice seria a explicação para que tantos trabalhadores apoiassem  golpe… Que, no geral, são incapazes de fazer uma análise mais ampla, não há duvida. Mas isso também ocorre com boa parte dos que são contra o golpe. Quero dizer com isso que precisamos romper com a ideia de que é a falta de conhecimento a explicação para tudo… Por detrás dessa argumentação está sempre a ideia de que a ilustração por si só garantiria uma sociedade mais justa e lança preferencialmente aos que não tiveram acesso à escolarização formal a culpa de tudo. Não esqueçam que esse é um argumento amplamente utilizado pelos golpistas para atacar os trabalhadores mais empobrecidos e lhes responsabilizar por nossas misérias. Ora, que os iluministas tenham vivido desse tipo de ilusão e que muitos persistam nessa perspectiva, é fato. Principalmente aqueles envolvidos com processos educativos. Mas não é razoável: possuímos exemplos suficientes desde o século XVIII que nos permitem considerar esse tipo de explicação da realidade uma maneira de simplificar e, na verdade, de fugir da explicação e da tentativa de compreensão da realidade objetiva. Fora isso, é bom lembrar que boa parte dos golpistas, verdadeiros indigentes intelectuais e morais, são também formados nas universidades, são mestres, são doutores…

Enfim, afirmo que os que apoiam o golpe não sofrem apenas de uma dificuldade de compreensão da realidade: insisto que esses limites estão postos também para boa parte dos que lutam contra o golpe. O que chamo aqui de indigência intelectual dos golpistas está ligada e subordinada à sua indigência moral. Esse é o fator preponderante.

E compreendam que não estou falando de nada fora da política, no sentido mais amplo do termo. Não submeto a política à moral, mas o contrário: ainda que os golpistas compreendam a si mesmos apenas com indivíduos singulares e atomizados, como é próprio da ideologia do nosso tempo, esse efeito de indigência moral é antes de tudo coletivo e organizado por práticas políticas bem precisas.

Vou tentar fazer uma síntese breve disso: o golpista é indigente moral porque sabe (e já faz tempo) que o processo não tem nenhuma relação com a luta contra a corrupção. Ele saiu às ruas com a camisa da CBF, tirou fotos com a polícia sorridente e gritou “somos todos Cunha”!!!!  O golpista apoiou a perseguição a lideranças do PT porque eram do PT, porque odeiam qualquer coisa que cheire a trabalhador, ainda que eles mesmos sejam trabalhadores. Odeiam a melhoria das condições de vida dos mais pobres porque isso lhes ameaça os canais tradicionais de manutenção como setor médio; mas odeiam também porque perdem aquela parcela da população que pode lhes servir em troca de um prato de comida ou de qualquer punhado de moedas. Lembram do escândalo das madames quando direitos trabalhistas básicos passaram a vigorar para o trabalho  doméstico? Os golpistas são indigentes morais porque são mesquinhos, egoístas. Eles praticam e demandam violências das mais diversas. O pacote vem completo: o desprezo pelos mais vulneráveis socialmente é refletido pelo desprezo aos trabalhadores,   às causas das mulheres, pela homofobia, o racismo, os mínimos direitos de crianças e adolescentes etc.. Em poucas palavras: eles optam por ficar ao lado do que há de mais podre, daqueles que secularmente dilapidam as riquezas nacionais e esfolam os trabalhadores brasileiros, ficam ao lado da corrupção, da violência em todos os sentidos e SABEM MUITO BEM QUE FAZEM ISSO!!! 

E compreender isso, romper com a ideia de que o problema é apenas de “burrice” ou ignorância, auxiliará aos que combatem o golpe a conhecer melhor seus inimigos e melhor definir o campo da luta que segue.

Não há inocentes!

 

O governo caiu por seus méritos: compreender o golpe e organizar a luta.

Cesar Mangolin

Uso este texto para poder melhor expressar uma posição inicial que me parece dever ser a dos que pretendem dar prosseguimento ao debate e à organização para a luta nessa nova conjuntura. É um texto sucinto, escrito para dialogar com militantes da esquerda, não com “coxinhas” histéricos e nem com o esquerdismo infantil, a irrelevante esquerdinha do “nem, nem”, do “é tudo igual” e do “voto nulo”. Penso que os militantes progressistas, democratas e de esquerda, enfim, todos que compreendem a derrubada da presidente Dilma como um golpe e um atentado perigoso à nossa frágil democracia devem pautar suas análises e a construção da tática para o momento a partir de uma constatação importante e fundamental que adianto aqui: o governo foi derrubado por seus méritos.

É importante pensar e expressar essa obviedade porque tivemos três grandes posicionamentos diante do evento. 1) o governo caiu porque é corrupto; 2) o governo caiu porque fez alianças com a direita; 3)  Michel Temer foi o vice-presidente eleito na chapa do PT, portanto, a “culpa” é do PT mesmo.

A primeira posição é frouxa, como bem sabemos, e não merece que nos estendamos nela. Não porque corrupção não seja um problema! É um grave problema, sem dúvida, mas foi apenas o cavalo de batalha e jamais a questão central em todo o processo. É necessário para qualquer um ser muito estúpido ou muito safado para continuar a afirmar algo assim, transcorrido o processo. Não há, de maneira alguma, mais espaço para esse tipo de argumentação.

As posições dois e três estão articuladas e são, ambas, equivocadas. A conjuntura de crise das políticas neoliberais do final da década de 1990 e começo dos 2000 permitiu uma série de governos progressistas e de esquerda e centro-esquerda por toda a América Latina e também na Europa. Mas essa possibilidade aberta pela crise generalizada deveria ser contingenciada pelas conjunturas internas de cada país, ou seja,  as possibilidades dessas experiências serem mais ou menos avançadas dependeu, como sempre, do nível de acirramento das lutas de classe dentro de cada país. Isso explica a capacidade de tomar medidas mais ou menos progressistas e até mesmo o caminho tomado para a chegada ao governo e o espaço real de manobra e movimento: as experiências mais amparadas em movimentos populares mobilizados e com histórico recente de grandes lutas nacionais pode explicar, por exemplo, a maior radicalidade das experiências da Bolívia, do Equador e da Venezuela. Assim como um menor acirramento interno das lutas de classe podem explicar a necessidade de dar largo peso ao processo institucional e buscar alianças para além do campo popular e de esquerda para viabilizar vitórias eleitorais. Isso não ocorreu somente no Brasil, mas também na Argentina, no Chile, no Paraguai, no Uruguai, na Nicarágua etc..Após um breve ciclo de crescimento econômico, mas principalmente, de desenvolvimento social, todas essas experiências (as mais e as menos avançadas) passaram a sofrer revezes com a persistência da crise internacional do sistema capitalista. Nuns casos, eleitorais (Chile – que retornou depois-, Argentina, vários países da Europa, por exemplo…), noutros, diante da impossibilidade ou incapacidade de vitória eleitoral dos setores reacionários, o caminho foi o golpe, como ocorreu no Paraguai, como é tentado na Venezuela e, agora, no Brasil.

É óbvio que todos lembram da “Carta aos Brasileiros” de Lula e do PT na campanha de 2002. Lembram também que foi uma ampla e heterogênea frente de partidos e movimentos populares a responsável por sua eleição, cuja vice-presidência era ocupada por um empresário do extinto Partido Liberal… A composição do governo refletiu essa frente, sem dúvida. Mas provavelmente não haveria a vitória eleitoral não fosse essa montagem, assim como não ocorreria nas eleições sucessivas. Dizer agora que a sequência de governos (os dois de Lula, o de Dilma) poderia ter criado bases sociais para saídas mais avançadas denota apenas uma visão paternalista e ilusória com relação ao Estado burguês (a mesma que foi capaz de cooptar movimentos e lideranças populares) e a incapacidade que partidos e movimentos mais avançados tiveram de inserção e organização, isso sim, fundamental para que essas saídas ocorressem. É da capacidade de luta, de mobilização e de organização dos trabalhadores que depende qualquer saída mais avançada e até revolucionária, não da máquina do Estado…

Mas essas ilusões com o Estado burguês não significam, de outro lado, que governos com o perfil do ciclo petista não eram fundamentais! Os trabalhadores conquistaram durante esses governos condições e “direitos” que secularmente lhes foram negados. Ainda que imbricados nas contradições e necessidades de ceder ao grande capital e, ao mesmo tempo, realizar avanços sociais, ninguém pode negar que as condições de vida dos trabalhadores por todo o país foram elevadas positivamente e que jamais se fez tanto pela redução ou eliminação da miséria e das desigualdades gritantes.

Michel Temer, político tradicional do “centro” pantanoso que é o PMDB, que tende para qualquer lado onde possa ocupar mais espaço, era parte de um governo com esse perfil: eleito por uma frente heterogênea de partidos, mas com compromissos sociais claros, com compromissos com determinadas frações do capital também claros. Vejam: determinadas frações do capital que eram atendidas prioritariamente nos seus interesses porque faziam parte do projeto desenvolvimentista que estava na base desse governo e era seu programa. As demais frações do grande capital participavam, sem dúvida, secundariamente. É necessário compreender as contradições internas da própria burguesia, porque é uma parte dela e não seu conjunto quem está por detrás do golpe. Não esqueçam que uma parcela da burguesia está, inclusive, na cadeia: as grandes empresas responsáveis pela construção pesada, pela construção civil, pela indústria naval, de segurança territorial etc.. Aliás, exatamente aquela fração privilegiada pelo programa desse ciclo de governos. Enfim, isso tudo pra dizer que Michel Temer não foi eleito para fazer parte de um golpe de Estado: foi eleito, dentro das regras democráticas e da ordem constitucional para ser o vice-presidente de um governo que tinha programa já aplicado e em andamento. Não é possível ver gente de esquerda fazendo esse discurso agora de que a “culpa” é do PT mesmo por isso… O golpe ocorreria, com ele, sem ele… Personalizar o golpe, assim como o próprio PT estava fazendo, dizendo que é uma armação de Temer e uma vingança de Eduardo Cunha é reduzir o problema a uma intriga palaciana e perder sua dimensão política e de classe.

Eu defendi desde as manifestações de junho de 2013 (que foram tomadas pela pequena burguesia por todo o país) que havia uma articulação diferente da direita em andamento, que havia a ameaça de golpe. Com o início do processo eleitoral em 2014, ficou bastante claro que não teríamos ali uma eleição qualquer: tínhamos dois projetos de dentro da ordem burguesa, sem dúvida, mas dois projetos em disputa, sendo que o que vinha da direita ganhava força, o que ficou expresso na campanha (mais violenta que de costume) e na votação final. Era necessário a partir dali defender esse governo, não por sermos “governistas” acríticos, mas porque o que viria em seu lugar significaria um forte retrocesso.  Enfim, não é necessário e estenderia demais esse texto mencionar todos os grandes lances do processo, mas o fato é que tivemos golpe que precisa ser compreendido para além dessas três posições superficiais mencionadas acima.

E repito, para poder concluir, que esse governo foi derrubado por seus méritos, não por outro motivo. É necessário ir para além das facilidades da análise para compreender sua real dimensão e sentido. É ser rasteiro e leviano afirmar que era um serviçal governo de direita que perdeu a importância e foi descartado (como tem feito a “esquerdinha” burra). Foi um golpe dado contra a nossa frágil democracia, que favorece a organização e ação popular, um golpe dado contra as conquistas sociais, um golpe dado contra os avanços da luta contra o racismo, um golpe dado contra os avanços do movimento feminista, na luta contra a homofobia. Fundamentalmente, um golpe violento contra os cantões do Brasil, um golpe que vai interromper mudanças fundamentais que trouxeram condições mínimas de dignidade para uma parcela considerável da população brasileira. Um golpe que pretende recriar no Brasil as condições para a acentuação da exploração dos trabalhadores e das nossas riquezas  pelo grande capital estrangeiro.

Claro que ocorreram vacilos, erros etc.. Óbvio que um pouco do conjunto daqueles três argumentos precisa ser tomado para entender essa derrota histórica. Mas atribuir a “culpa” do golpe a quem sofreu o golpe é o mesmo que atribuir à vítima de violência a responsabilidade pela violência sofrida, como fazemos com as mulheres vítimas de violência sexual, por exemplo, quando afirmamos que foram atacadas porque estavam vestidas de tal maneira, porque estavam na rua tarde da noite e coisas do tipo.

Tampouco me parece que nosso momento é o de encontrar culpados. Ao contrário, precisamos 1) compreender as razões desse golpe, seu caráter de classe e seu programa (isso está delineado acima…); 2)  saber como estão (concreta e objetivamente) as forças que se movimentam contra o golpe; 3) articular por todos os canais a reação organizada e a luta de resistência e ofensiva para derrotar o golpe e retornarmos numa posição qualitativamente mais avançada.

Penso que esse pontos (expostos de maneira apenas geral aqui), podem permitir um bom debate tendo em vista a ação.

 

Quem prejudica o Brasil?

João Quartim de Moraes *

A miséria intelectual e moral da grande maioria das “justificações” dos votos a favor do golpe parlamentar de 17 de abril já foi fartamente assinalada pelos observadores honestos da política, dentro e fora do Brasil.

Os uivos da alcateia de Cunha e sócios molestaram até os ouvidos do mais prestigioso periódico do capital financeiro britânico. Em sua edição de 21 de abril, The Economist colocou na capa a imagem da estátua carioca do Redentor empunhando uma faixa onde se lê “SOS”. Sem deixar de responsabilizar a presidente Dilma pela contração da economia, a proeminente revista neoliberal constata que aqueles que se empenharam em tirá-la do cargo “são, em muitos aspectos, piores”, citando nominalmente Eduardo Cunha. Na legenda da capa vem a frase “The betrayal of Brazil” (A traição do Brasil). Não terá escapado aos editores da revista que na data em que lançaram este número o Brasil presta homenagem ao maior herói da luta por sua independência. Entregue por um traidor aos esbirros locais do reino de Portugal, Tiradentes foi enforcado e esquartejado em 21 de abril de 1792. A polissemia do termo “betrayal” (que denota tanto “trair” quanto “desapontar”), permitiu a The Economist desqualificar genericamente os dois lados do confronto, mas ao salientar que os piores são os empreiteiros do golpe, a revista deixa claro que traidor propriamente dito foi o solerte vice-presidente.

Tampouco outros jornais de grande influência no campo liberal-imperial, como The New York Times e Der Spiegel, bem como o canal televisivo CNN, engoliram a repulsiva farsa montada pelos trombadões e encenada pelos trombadinhas da Câmara Federal. Alguns jornais, menos dependentes dos humores da alta finança imperialista, como The Guardian e sobretudo The Irish Times, foram ainda mais incisivos. Tom Hennigan, correspondente em Brasília deste jornal irlandês, publicou em 18 de abril um contundente artigo intitulado “Brazil sends in the clowns to vote on Rousseff impeachment” (Brasil junta os palhaços para votar pelo impeachment de Rousseff). O subtítulo do artigo ironiza a cafajestice da farra golpista: “Deputies conduct themselves with all the decorum of drunken fans at a football match” (Deputados se conduzem com todo o decoro de torcedores bêbados num jogo de futebol).

Estas e muitíssimas outras denúncias sérias e objetivas do golpe, publicadas no exterior, contrastam com a campanha de intoxicação mental promovida no Brasil pelo cartel dos grandes meios privados de comunicação social. Os irmãos Marinho e consortes, que apoiaram descaradamente a violência contra o sufrágio universal, tentam agora “limpar” a cena do crime sustentando que a sinistra palhaçada de 17 de abril não configurou um atentado à Constituição. Habituados a desinformar seu público, os irmãos Marinho, patrões da Globo, desinformaram a si próprios ao subestimar a repulsa suscitada internacionalmente por mais esta rasteira que eles patrocinaram contra a democracia. Enviaram a The Guardian um texto pomposo em defesa da destituição da presidente Dilma, imaginando que seria publicado com destaque. O jornal inglês tratou-os com desdém: reproduziu o texto nas cartas de leitores.

Obviamente, a maior providência para “limpar” a cena do crime é negar que houve crime. Os partidos da direita, o cartel dos “donos da notícia”, vários ministros do STF e o moderno Calabar da vice-presidência tentaram intimidar a presidente, acusando-a de difamar o Brasil no exterior, caso falasse em golpe em sua viagem a Nova Iorque onde iria tomar a palavra na Assembleia Geral da ONU consagrada aos problemas do clima. O jornal Valor (de troca) reproduziu a chantagem em grande título na primeira página de sua edição de 22 de abril: “Temer nega golpe e diz que Dilma prejudica o Brasil”. Durante a ditadura militar (apoiada a fundo pelos donos deste e de outros jornais do cartel mediático) “falar mal do Brasil” (isto é dos crimes da Oban, dos Doi codi etc.) era um passaporte para o pau de arara. Para os torturadores aos quais o celerado general Medici conferiu carta branca, o crime grave não era torturar, mas sim denunciar a tortura. Para os golpistas de hoje (entre os quais desponta um deputado defensor fervoroso da tortura), prejudica o Brasil, não o golpe, mas sua denúncia.

Moral, política e ideologicamente, estamos hoje profunda e irreconciliavelmente divididos entre os que consideram que o crime é denunciar o crime e os que continuam pensando que o crime é o crime.

Texto de João Quartim de Moraes Vale ler, publicado originalmente em: http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=7729&id_coluna=24

A récua é do setor médio, majoritariamente branca e de direita.

Cesar Mangolin

A afirmação que dá título ao texto saiu no The Guardian, jornal britânico sobre o qual não pesa nenhuma suspeita de ser simpático aos comunistas, que estampou a manchete de uma manifestação de “direita e de gente branca”, o que os levou à compreensão dos estratos que participavam das manifestações de domingo. Além disso, observaram, no final da matéria, que os partidos ligados aos trabalhadores fizeram uma manifestação menor na última sexta, desvencilhando portanto os trabalhadores e suas organizações dessa papagaiada de ontem.

Por detrás dos discursos de insatisfação com a vida devido à crise que bate em nossas portas, as manifestações que ocorreram no domingo demonstraram apenas o que já temos tratado aqui neste blog desde meados de 2013…

Ontem pudemos perceber qual é o componente básico desses protestos e suas principais e esdrúxulas palavras de ordem. Em meio a suásticas nazistas e camisas da seleção brasileira, um público majoritariamente branco e de classe média pisou nas ruas das grandes cidades brasileiras, pelas quais passam geralmente apenas dentro de automóveis com vidros bem fechados.

A caracterização merece ser pensada: é a classe média; é uma elite branca; é de direita.

Não vou gastar tanta energia com o item “elite branca” (isso vale outro texto somente para o tema), apesar de ser o mais polêmico. Apenas vale insistir que não se trata de procurar negros nos protestos, embora fossem poucos mesmo. A passeata era nas ruas e quem quisesse poderia participar. Há, inclusive, uma camada pequeno burguesa negra no Brasil. Não é numericamente que este componente está ausente, mas culturalmente e o que significa historicamente: aqueles aos quais foram relegadas as posições menos remuneradas na divisão do trabalho. Mas ainda vale ressaltar a admiração dos ingleses do The Guardian em não encontrar (no caso deles, numericamente mesmo) os negros (maioria da nossa população) em número expressivo nas passeatas.

Os cartazes expressaram a combinação das três características, embora não estivessem sempre escritos em bom português e alguns deles escritos em inglês (!), visto que faz parte da récua abanar as orelhas aos seus senhores.

Tentemos entender os setores que compuseram esses protestos então.

A crítica aos governos petistas, que fazemos no sentido de avançarmos em medidas progressistas para os trabalhadores, passa necessariamente pelo reconhecimento de suas ambiguidades. Fundamentalmente, é preciso jamais esquecer que são governos da ordem burguesa, portanto, é óbvio que operam no sentido de manutenção dessa ordem e no atendimento prioritário dos interesses das frações do capital. Mas esses governos operaram uma mudança na maneira de atender a esses interesses: num momento de grave crise, que marcou o segundo mandato de FHC, Lula assumiu a presidência com o compromisso de dar continuidade a essa ordem, mas também com a possibilidade, aberta pela crise e pela insatisfação popular, de tomar medidas que mudariam substancialmente a vida dos trabalhadores e da população mais empobrecida.

Aumento real do salário mínimo e dos salários em geral; redução drástica do desemprego; programas sociais de renda mínima casados com o incentivo ao pequeno produtor e à formação profissional para retirar da miséria milhões de brasileiros; redução da fome e da população em situação de miséria; ampliação do acesso à educação formal; ampliação do acesso a casa própria para todas as faixas de renda… Enfim, medidas que possuem efeitos contraditórios, não há dúvida, mas que modificaram a vida de todos os brasileiros. Todos.

Ninguém pode afirmar que vive hoje pior do que vivia em 2002. Essa mudança tem relação com a ação desses governos. Os setores médios não percebem isso evidentemente: acreditam que o que melhorou foi apenas fruto do seu mérito pessoal…

O fato mesmo é que, independentemente das contradições que ainda vivemos e da ordem burguesa, os que se opõem a este governo o fazem por duas razões: criticam o governo por seus méritos, não por seus defeitos; expõem um ranço conservador que despreza qualquer organização que carregue o nome de “trabalhador” consigo…

As frações do grande capital se ajustaram e algumas (mais que outras) encontraram maneiras de ampliar seus lucros. A estabilidade do país e sua cada vez mais respeitada posição na cena internacional facilitou isso.

Mas a chegada da crise e a disposição histérica da récua cor-de-rosa em pedir a cabeça da presidente faz acender, no entanto, uma nova luzinha para essas frações, em particular para a do grande capital financeiro. A possibilidade de quebrar, via golpe de qualquer tipo, o ciclo petista e colocar em seu lugar um novo ciclo de gente e partidos mais fiéis aos seus interesses aparece como um negócio interessante. A mídia, que se vê diante de uma disposição do governo de estabelecer sua regulação, embarcou com tudo no mesmo projeto. Governos, como o dos EUA, incomodados com as relações brasileiras com o novo bloco formado pela Rússia e China, pelo apoio à Venezuela, à Cuba e a experiências progressistas ocorridas no cone sul, como no Uruguai, vêm também com otimismo a possibilidade do golpe.

O resultado é essa gente toda nas ruas, estimuladas pela grande mídia e por campanhas caras, pagas por alguém… Como já disse aqui, a histeria coletiva faz essa massa nem saber exatamente o que pedem, nem as consequências desse processo.

Os setores médios sempre estiveram ali à direita, fazendo o papel que lhe foi atribuído pelas elites: no suicídio de Vargas, na derrubada de Jango…. Estiveram também no apoio do fascismo na Itália em 1922, do nazismo na Alemanha em 1933… Em todos os casos foram largamente prejudicados: são marionetes, base social de manobra para os interesses do grande capital. Não os que se beneficiariam do resultado.

Têm disposições à direita. Repito aqui algo já dito em outros textos. O problema é que os setores médios possuem um sonho e um medo: o sonho é do aburguesamento individual; o medo é o da proletarização. Tudo o que ocorre, esse insano grupo de pessoas acredita ser apenas e tão somente produto do seu mérito pessoal, não podendo reconhecer, portanto, que as mudanças que ocorreram nos últimos anos no Brasil melhoraram também sua vida… Mas o sonho de ser burguês e o medo de se proletarizar envolve o que é individual e o que é coletivo… Enriquecer deve ser algo individual, porque os ideais de “sucesso” gestados na ordem capitalista não passam apenas pela aquisição de bens materiais: passam necessariamente por algum grau de distinção, para que a riqueza seja ostentada e reconhecida. A proletarização é coletiva, e nesse caso não significa empobrecimento. Na cabeça dos setores médios, o acesso de camadas miseráveis da população a condições mais razoáveis de vida, o acesso a espaços que lhes foram sempre bloqueados, a determinadas carreiras, determinados serviços, enfim, a proximidade dos “pobres” que já não vão aparecer tão pobres assim joga areia no seu projeto individual, amplia a concorrência, faz com que se percam os canais tradicionais de sua manutenção e justificação em determinados postos e carreiras… Por isso reagem com tanta raiva aos programas sociais, com tanta raiva contra as cotas, com tanta raiva contra governos como os dos últimos 12 anos…

É esse amálgama de interesses confluentes por parte de setores do grande capital (fração financeira, empresas da grande mídia, interesses imperialistas, em particular, dos EUA) e dos difusos (e confusos) interesses dos setores médios que dá forma aos que pedem o fim do governo Dilma.

Conseguir ou não o que intentam vai depender dos desdobramentos do final de semana: é o fôlego das organizações dos trabalhadores de um lado e o dos coxinhas histéricos de ontem quem dará a tônica do processo. Eles têm a-poios poderosos, sem dúvida. Mas acreditamos que as organizações progressistas e de esquerda saberão tomar posição e aglutinar mais forças para o combate. Quem define o resultado disso, quem define se avançamos ou retrocedemos é, sem dúvida, a luta de classes.

Obs.: “récua” é um coletivo de jumento… Também pode ser, no sentido figurado, “corja”. Mas eu prefiro o primeiro…

A água, os ricos e os pobres…

Cesar Mangolin

Dia desses uma jornalista estrangeira perguntava por qual razão a cidade de São Paulo passava por uma crise de abastacimento de água tendo um grande rio que a cortava… Mal sabia ela que o tal rio é, na verdade, mais uma produção dos vinte anos de tucanagem paulista, mais os anos do quercismo e do malufismo…

O Tietê poderia, de fato, auxiliar bastante na crise, não fosse apenas um belo rio de merda e lixo que custou bilhões ao cofres públicos. Muito dinheiro foi jogado ali com projetos furados de despoluição. Lembro ainda das propagandas do Picolé de Chuchu (o “Alckminho” bicudo) prometendo um rio limpo até 2016, apto para a natação, a navegação e para a pesca! Passado esse tempo e alguns bilhões depois, qualquer um pode perceber apenas pelo cheiro que nadar ali não é recomendável, que navegam no rio apenas as garrafas pet e lixo de todo tipo e que o único peixe encontrado é o famoso “bagre cego”, ou o popular japonês “toroço”.

Fora o bombeamento de esgoto do Pinheiros para a Billings! O Alckiminho Bicudo chamou recentemente a Billings de “caixa d’agua de São Paulo”, a salvadora da pátria! Passei com minha família na segunda-feira pela região em que se encontram o Pinheiros e a Billings e de onde o tal bombeamento é feito. Fica bem no final da Marginal Pinheiros, vai até a região por trás do autódromo de Interlagos e até a Estrada do Alvarenga, que liga São Paulo a Diadema e São Bernardo. Em toda essa região, densamente populosa, parecíamos envoltos numa nuvem de bosta pura, tal o cheiro que cobria todo o espaço!

Mas mesmo que tucano tente até culpar São Pedro por suas irresponsabilidades, o fato mesmo é que a tal crise se deve à ausência de planejamento, não somente da interligação das bacias que servem toda a região metropolitana, mas pela permissão e, por vezes, até pelo estímulo ao desmatamento, à ocupação indevida de terras próximas a rios e represas, a destruição de matas ciliares, a substituição de mata nativa por eucalipto e uso privado da água de rios, desviados de seus cursos naturais. Ainda temos a privatização parcial da Sabesp, que explica em parte o problema, afinal a lucratividade foi alçada como objetivo da empresa, não o serviço público…

E que fique bem claro que a culpa disso não é do povão que ocupa essas áreas para que possam erguer ali qualquer coisa que lhes sirva de abrigo um dia após o outro. Na beira da Billings e da Guarapiranga é possível ver várias mansões construídas com fundo na represa… Terrenos imensos, com a mata devidamente derrubada, trazendo prejuízo para a fauna da região e, sem dúvida, contribuindo para a (im)possibilidade das chuvas…Irregulares da mesma forma que os barracos dos mais pobres, essas casonas não são jamais questionadas… Pode ser porque o esgoto que mandam diretamente para a represa contém restos de vinhos caros e comidas chics… Merda deve ser qualificada também!

Aliás, os setores médios mais abastados não têm sofrido em nada a tal crise hídrica. Possuem dinheiro para os carros-pipa e para a água mineral entregue em casa. É por isso que se voltam como cães contra o governo federal e não percebem o que ocorre bem debaixo de seus narizes. Talvez o hábito em sentir o cheiro ruim tenha lhes prejudicado o faro de vira-latas. Se existe algo democrático e de acesso a todos em São Paulo é, sem dúvida, o fedor! Tem até codomínio irregular que desvia curso de rio para tornar a vida mais aprazível para a classe média cor-de-rosa. Ainda que esse rio seja importante afluente para o abastecimento de Campinas e região.

(quem quiser ver melhor essa loucura que ocorre num terreno irregular e sem autorização da Cetesb etc, veja: http://www.contextolivre.com.br/2015/02/veneza-paulista-privatiza-rio-e-oferece.html?utm_medium=facebook&utm_source=twitterfeed ).

Mas os mais pobres, além de não possuírem o dinheiro para comprar água e nem casa na Veneza brasileira, também sofrem (por causa da mesma ausência de planejamento e política pública da tucanagem) com os alagamentos, com as torneiras secas, com água com doses extras de coliformes fecais, mais conhecidos popularmente como merda mesmo. São eles que ficam na linha do trem à beira do Pinheiros, admirando uma bela vista, mas sem condições de respirar e com muito medo de que os ratos imensos que habitam ali resolvam subir à plataforma… Quando ocupam irregularmente uma área para viver, assim como fizeram os que quiseram reconstruir uma Veneza “à brasileira”, são despejados violentamente pela polícia fascistóide do Alckiminho Bicudo, o boca-mole.

Todo o dinheiro gasto não mereceria uma boa investigação??? Garanto que só no Tietê já se gastou mais que o apurado com a corrupção na Petrobras, que é histórica. Isso mereceria um processo de “impeachment”, isso é crime de responsabilidade e improbidade administrativa. Pena que a reaçada e a esquerda infantil está apenas preocupada em ferrar com o PT… Vai lá, coxinha, fazer passeata pelo impeachment da Dilma enquanto toma um belo suco de merda da torneira!

A culpa é da Dilma: O antipetismo de direita

Cesar Mangolin

Um jumento em disparada faz algum estrago… Um bando deles faz mais ainda. Inconsequentes, não darão a devida importância para os danos que podem causar, apenas correm, destruindo tudo ao redor. Nem mesmo fazem ideia de quem abriu a porteira, talvez propositalmente.

Os neo-militantes de direita agem assim. Tomam problemas seculares do Brasil (como a corrupção) como se fossem obras dos últimos governos; atribuem à presidência da República responsabilidades de outras instâncias, inclusive responsabilidades dos abridores de porteiras bicudos que povoam nosso país e não se conformam com a derrota sofrida nas urnas.

Chama mais ainda a atenção que temos jumentos desembestados que se somam aos da direita vindos da esquerda, mas trataremos deles em outro texto…

Com vergonha alheia, vi gente (quase 40% da população) que atribui a falta de água ao governo federal; há quem atribua a segurança pública também. Mas há episódios mais tristes ainda: vi uma postagem que dizia que a Dilma havia concedido o direito de visita íntima a um assassino! Para esses tontos, a culpa de toda e qualquer desgraça brasileira tem nome: Dilma!

Enfim, chegamos num ponto em que a frase afirmativa “há limites para a estupidez!” somente pode ser proferida na sua forma interrogativa: “Há limites para a estupidez?” Parece que não.

A corrupção é inerente ao capitalismo… No Brasil persiste há muito. O caso da Petrobras, tomado com assombro pela mídia golpista e a classe média cor-de-rosa, é velho. Ainda era um adolescente quando trabalhava numa loja de conexões e ouvia um vendedor externo contar histórias sobre as casas de praia de compradores da Petrobras… Nessa mesma época aprendi que a propina, que “molhar a mão”, o “fazer rir” era uma prática comum. Nunca gostei nem a pratiquei, mas todos nós convivemos com ela. Quem descobriu apenas agora que as empreiteiras e demais empresas subornam compradores em processos licitatórios? Quem não sabe que há décadas no Estado de São Paulo algumas empreiteiras dividem entre si as grandes obras e “molham as mãos” de agentes do Estado? Corruptores e corruptos, farinhas do mesmo saco, crias da mesma ordem, existem desde muito tempo: isso não foi uma invenção dos governos do PT.

Mas a jumentice parece ter se tornado um adjetivo muito comum dos nossos tempos obscuros…

Há uma movimentação que envolve a grande mídia, políticos tradicionais com capivaras imensas, o tucanato, o judiciário e uma massa de manobra histérica que parece que começou a viver apenas agora e perceber as mazelas do tipo de capitalismo que se desenvolveu no Brasil.

Embora falem em nome de algum Brasil, fica claro, pelo que defendem, que não incluem o Brasil da população que mais sofreu, pela marginalização e empobrecimento contínuo, com a dragagem das nossas riquezas naturais e com a concentração de riqueza gritante e secular… A massa de manobra histérica não faz parte, obviamente, da seleta elite que concentra em suas mãos o grosso da riqueza social produzida. Os que esbravejam contra o PT e o governo não têm ideia do que estão falando; não são capazes de apontar uma solução mínima para qualquer problema. Repetem chavões, palavras de ordem sem sentido, de gente que não conhece minimamente nossa história recente.

Façam um teste: pegue um desses surtados e pergunte o que está errado e o que deveria ser feito para resolver o problema… Vai receber de volta um grunhido histérico e sem sentido, porque eles não sabem do que estão falando.

O mais triste e temerário é que forçam uma crise política seríssima, que interessa a determinados setores do grande capital. São marionetes dele…

Defendem o retorno da ditadura militar sem saber minimamente o que caracterizou aquelas duas décadas: entrega das nossas riquezas ao  capital estrangeiro; perda constante de poder aquisitivo dos salários; mais de dez milhões de mortos por fome no nordeste; genocídio de populações nativas; prisões arbitrárias, censura, tortura e assassinato…

Há também a curiosa postura da classe média brasileira que tem asco de tudo que se refira a trabalhador…

Os governos do PT atendem, sem dúvida, aos interesses do grande capital. É um governo da ordem burguesa, que dirige o Estado capitalista… Mas ao deslocarem esforços e recursos no atendimento a populações deixadas de lado por nosso processo histórico, deslocam recursos dos cofres do grande capital, que sempre tem espaços vazios para serem ocupados. No momento da crise que envolvia o segundo mandato de FHC, o PT e o governo de Lula, com as garantias que deram, foram palatáveis ao grande capital. Na entrada dessa nova crise, trata-se de tornar toda e qualquer fonte sob controle absoluto. Há muita diferença numa taxa selic de 36% (segundo mandato de FHC) e numa de 12%… Ou 7.4, que foi o mínimo alcançado no primeiro governo de Dilma… Isso toca em interesses diversos, beneficia algumas frações do capital, prejudica outras. A pressão dentro do bloco no poder e a capacidade de uma dessas frações tornar o Estado seu valet é o que está em jogo…

Há muito que se estudar e escrever sobre essas contradições, mas isso toma muito espaço… Mas, principalmente, exige tempo e paciência histórica. Algo que está ausente por aqui… Mas retomarei o argumento para falar do antipetismo de esquerda depois…

Por enquanto, vale a constatação de que os neomilitantes da direita e os da esquerda preferem facilidades: análises de lógica formal, sem contradições. Um programa redondinho e internamente coerente, ainda que não tenha relação com a realidade. O papel aceita qualquer coisa: recebe textos sagrados e também é utilizado nos banheiros…

Valeria aos que histericamente pedem o impeachment de Dilma pensar um pouco nos pressupostos do que chamam de “limpeza” da política, pensar nas soluções para nossos problemas mais graves… Caso sejam capazes de fazer isso, descobrirão que as soluções que andam apoiando representam um passo atrás muito perigoso. Que as marionetes desse jogo anti-popular percebam que ajudam a abrir as portas do seu próprio abismo.